Simulação escrita - Grupo I dos Advogados da Administração Pública
Simulação Direito Administrativo II 2025/2026
Subturma 10
Declaração dos Grupo I de Advogados da Administração Pública
Exmos. Meritíssimos Senhores Juízes, vimos por este meio apresentar a posição da Administração Pública face ao requerimento do Sr. Sandokan da Silva contra a mesma.
Argui o Sr. Sandokan a omissão administrativa de concessão de autorização de residência, após ter apresentado um pedido a tal destinado, visando condenar a Administração à prática do ato. Contudo, por força da falta de apresentação, por parte do requerente, dos documentos exigidos dentro dos prazos legais, da mudança das entidades competentes (na medida da extinção do SEF e posterior criação da AIMA) e a consequente alteração das regras procedimentais, vem a Administração contestar a referida condenação.
Relativamente à matéria de direito, quanto, primeiramente, à ausência de apresentação dos documentos exigidos dentro dos prazos legais, alega o requerente ter apresentado um pedido de autorização de residência, em 5 de maio de 2020. Tal pedido estaria subordinado aos termos do artigo 88.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, cujo número 1.º estabelece os requisitos de os nacionais de Estados terceiros que pretendam obter autorização de residência possuírem contrato de trabalho e estarem inscritos na segurança social (requisitos preenchidos pelo requerente), ressalvando o artigo para os requisitos gerias do 77.º da presente lei. Todavia, em virtude da alteração das regras procedimentais (que será abaixo densificada), não poderá, hodiernamente, ser invocado o artigo 88.º. Ora, tendo em conta a ausência destes documentos, verifica-se uma omissão impeditiva da averiguação da legalidade do pedido e, consequentemente, da prática do ato de concessão de autorização de residência. Contrariamente ao que alega o requerente, não há lugar a deferimento tácito, por força do n.º 3 do artigo 130.º, em virtude da carência documental (“motivo imputável ao interessado”). Assim, esta inércia administrativa não resulta de omissão ilícita, mas antes da iniciativa deficiente e incompleta do requerente[1]. Foi igualmente preterido o prazo de 10 dias (86.º n.º2 CPA) para apresentação dos documentos, não tendo, assim, o requerente promovido estas diligências que lhe são exigidas para validade do requerimento.
Igualmente, defende a Administração a sua incompetência em razão da mudança das entidades competentes. Ora, as entidades que sucedem a outras devem assumir os processos pendentes, implicando esta transição reestruturações, admissíveis à luz do princípio da boa administração (5.º CPA) e da proporcionalidade (7.º CPA), legitimando, desta forma, atrasos temporários que se justificam por reconfigurações organizativas. Anteriormente constituía o SEF um serviço integrado na administração direta do Estado, mais especificamente no Ministério da Administração Interna. Este serviço não possuía personalidade jurídica, o que significa que quem respondia, administrativa e legalmente, pela sua atuação seria o próprio Ministério, que sobre ele exercia o poder de direção (199.º alínea d) CRP). No entanto, consistindo a AIMA num instituto público que integra a administração indireta do Estado (3.º n.º2 da Lei Orgânica da AIMA), possuidora de personalidade jurídica, autonomia administrativa e financeira e património próprio (1.º n.º1), é a mesma que responde pela sua atuação. A assunção de competências do SEF pela AIMA, no âmbito de uma sucessão orgânica caracterizada por uma reconversão funcional, com a transferência de arquivos, de dados e uma adaptação legal e procedimental dificultou decisivamente o cumprimento de prazos pela entidade[2], contudo não configura um motivo de omissão ilícita, pois tratam-se de repercussões inerentes à transição entre entidades.
Por fim, no que respeita à alteração das regras procedimentais, a decisão não poderá ser tomada alicerçando-se somente na legislação em vigor à data da apresentação inicial do requerente (2020), devido às alterações legislativas e procedimentais que desde então ocorreram. A Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, invocada pelo requerente, foi objeto de variadas alterações, designadamente pelas seguintes leis: Lei n.º 18/2022, de 25 de agosto, que criou novos tipos de visto de residência, simplificou alguns procedimentos, tendo, porém, de igual forma, eliminado a lógica de “automaticidade” da concessão de autorização de residência com base em meras provas documentais, no vínculo laboral e em descontos; o Decreto-Lei n.º 41/2023, de 2 de julho, que extinguiu, como já se mencionou, o SEF e passou as suas atribuições à AIMA[3], instituto criado pelo mesmo Decreto; a Lei n.º 28/2019, de 29 de março, em matéria de entrada e permanência em território nacional, tendo-se verificado alterações procedimentais, nomeadamente quanto à reorganização do fluxo interno de processos, à implementação de sistemas informáticos e novas plataformas, possibilitando a solicitação da autorização online, e à definição de novas fases de validação documental e de segurança (como por exemplo a recolha de dados biométricos). Houve, portanto, um impacto nos direitos e deveres dos requerentes no âmbito do procedimento administrativo, isto é, atualmente é o procedimento mais analítico e rigoroso quanto à verificação de todos os requisitos de permanência legal, comprovativos de subsistência e vínculos laborais e sociais. Como supramencionado, em 2020 poderia o requerente invocar o artigo 88.º, ao passo que, atualmente, tal já não será possível, em virtude destas alterações e atual análise complementar, destinadas à promoção do interesse nacional, segurança e integração. Em conformidade com o artigo 87.º-A n.º1 da Lei Orgânica da AIMA, sendo Angola (país natal do requerente) um dos países em que vigora o Acordo CPLP[4], poderia o requerente solicitar, junto da AIMA, a pretensa autorização, sendo, então, necessário que o mesmo agendasse um atendimento presencial junto do instituto, para recolha de dados biométricos e entrega da documentação exigida. Não obstante a doutrina (contando com as posições de Freitas do Amaral, Marcelo Rebelo de Sousa e Vasco Pereira da Silva), relativamente à prossecução do interesse público (266.º n.º1 CRP) e os princípios da legalidade (3.º CPA), tutela da confiança (implícita na boa-fé do 10.º CPA) e a segurança jurídica que impõem um respeito pelos direitos subjetivos dos particulares, que não deviam ser prejudicados por atrasos causados por reformas administrativas ou legislativas, considera a Administração que a alteração das regras procedimentais constitui o núcleo do caso concreto, não podendo ser ignorado. Deste modo, argui a Administração Pública a falta de compatibilidade do pedido realizado em 2020 com a vigente legislação e correspondentes regras procedimentais, podendo implicar a reclamação de documentos adicionais, reanálise de requisitos ou até a reformulação de critérios, e não podendo ser a Administração compelida à tomada de uma decisão com base em legislação ultrapassada, pelo que está vinculada ao respeito do novo quadro normativo procedimental. Tal obrigará a uma reanálise do pedido do requerente à data da decisão, ao invés da data da apresentação, consubstanciando outro motivo da morosidade administrativa, excluindo qualquer possibilidade de deferimento tácito. Está em causa, unicamente, um cumprimento do seu dever constitucional de observância legal (266.º n.º2 CRP) e não uma ilegalidade na sua atuação, justificada por imperativos legais e estruturais que não se podem desconsiderar.
Conclui a Administração Pública, assim, que, pela falta de apresentação, no prazo legal, dos documentos legalmente exigidos, mais especificamente aqueles agora exigidos pela nova legislação (e não aquela ao abrigo da qual o requerente realizou o pedido em 2020), a mudança das entidades competentes e a alteração das regras procedimentais, não deverá haver lugar à prática do ato de concessão de autorização de residência ao requerente enquanto não forem prosseguidos os trâmites legais necessários nos termos da nova legislação, supra exposta, apresentando os documentos e demais provas demandadas. Ademais, o único sujeito passivo no processo devia ser a AIMA e não a Administração Pública de forma genérica, por força da autonomia do instituto e da sua personalidade jurídica, que lhe permite responder pela sua atuação ou, neste caso, omissão, segundo o requerente.
Assinatura:
Catarina Bonito, Mariana Grelo, Mariana Pais, Rodrigo Gomes e Sofia Leito
Data: 16/05/2025
[1] Neste sentido, reporte-se a jurisprudência relevante no âmbito: Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 3 de fevereiro de 2017 (Processo n.º 1523/16.5BELSB) que esclarece que a manifestação de interesse apresentada por um cidadão estrangeiro não tem, por si só, a virtualidade de iniciar o procedimento administrativo de concessão de autorização de residência. A Administração apenas está obrigada a decidir após a abertura formal do procedimento, o que implica a apresentação completa dos documentos exigidos.; e outro acórdão do mesmo tribunal, Processo n.º 155/24.9BEPRT, que destaca que a imputabilidade ao requerente da falta de decisão depende da verificação de um nexo de causalidade entre a conduta do requerente e a falta de decisão. A ausência de documentação essencial impede o início do prazo legal para decisão e, por conseguinte, não consubstancia omissão ilegal da Administração.
[2] Neste sentido, reporte-se a jurisprudência relevante no âmbito: Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (Processo n.º 02144/23.1BELSB, de 20 de junho de 2024) analisou um caso de atraso na decisão administrativa, concluindo que a demora não constitui, por si só, uma omissão ilícita, especialmente quando há justificações plausíveis, como reestruturações organizacionais.
[3] Reporte-se ao artigo 3.º n.º1 e 2 da Lei Orgânica da AIMA
[4] Acordo sobre a Mobilidade entre os Estados-membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa
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