Trabalho Blog - Leonor Carpinteiro

 

As vantagens e desvantagens da descentralização na administração pública

Leonor Machado Carpinteiro – nº70068

 

 

 

SUMÁRIO: 1. Introdução - 2. O conceito de Descentralização – 2.1. Contexto Histórico – 3. Vantagens da descentralização na Administração Pública – 4. Desvantagens da descentralização na Administração Pública – 5. Casos práticos e exemplos – 5.1. A descentralização das funções do Estado nas províncias ultramarinas portuguesas – 5.2. Descentralização na educação em Portugal – 6. Comentário crítico – 7. Conclusão.

 

 

Palavras-chave: Descentralização, centralização, autarquias locais, autonomia local, poder local, Princípio da legalidade, vantagens da descentralização, desvantagens da descentralização.

Resumo: No presente trabalho o objetivo é identificar as vantagens e desvantagens da descentralização administrativa nos tempos atuais. Desta forma, a análise de casos reais é crucial para compreender este conceito.

 

 

 

 

 

 

Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa – 2024/25

Professor Regente Vasco Pereira Silva

Professora Assistente Beatriz Rebelo Garci

 

 

 

 
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1.    Introdução

No presente trabalho será apresentado o conceito de descentralização na organização administrativa. Com isto, é importante perceber que este conceito é um tema central no estudo da organização do poder público, no sentido em que influencia diretamente a gestão de recursos e a prestação de serviços à população.

 

Esta prática tem sido adotada por diversos países para promover a eficácia e a competência da gestão autónoma da administração.

Apesar disto, não é correto afirmar que a descentralização tem na sua integra apenas aspetos positivos. Suscita debates sobre os seus impactos, sejam eles positivos ou negativos. Desta forma, é possível englobar estes aspetos em dois grandes polos: Vantagens e Desvantagens da descentralização.

Estes tópicos abordam os benefícios que podem ser alcançados e as adaptações necessárias para uma boa descentralização.

 

Compreender o conceito de descentralização e reconhecer as suas vantagens e desvantagens é essencial para o estudo da administração pública. A análise de casos reais contribui significativamente para uma aplicação mais eficaz do conceito na prática, permitindo adaptações e melhorias.

O estudo de exemplos concretos, como a descentralização do ensino em Portugal ou a o caso de órgãos administrativos nas províncias ultramarinas, fornecem noções valiosas para aperfeiçoar e otimizar a descentralização. É apenas através do conhecimento sobre o passado que podemos construir um futuro mais eficiente e bem-sucedido.

 

 


2.    Conceito

A descentralização administrativa refere-se à distribuição de competências administrativas do Estado central para outras entidades e setores[1] .Ou seja, as autarquias locais e outras entidades autónomas têm funções administrativas que complementam as funções do Estado no sentido em que não existe uma centralização de poder no mesmo.

Estas entidades e setores estão carregadas de “Poder local” – este poder surge para saciar as necessidades das comunidades que não conseguem ser saciadas por órgãos estaduais[2], que têm como objetivo combater estas necessidades. Só através dele, é que estas entidades têm poder competente para agir na AP.

A organização administrativa está estipulada no art. 267/1º CRP: “A Administração Pública será estruturada de modo a evitar a burocratização, a aproximar os serviços das populações e a assegurar a participação dos interessados na sua gestão efetiva, designadamente por intermédio de associações públicas, organizações de moradores e outras formas de representação democrática. Assim, o artigo consta que a administração pública é, de facto, descentralizada. Além disso, é possível observar a autonomia das autarquias locais no art 243º CRP – “As autarquias locais possuem quadros de pessoal próprio, nos termos da lei

Para compreender o conceito de Descentralização, é necessário distinguir a descentralização em sentido jurídico de sentido político.[3] Por um lado, em sentido jurídico refere-se ao facto de que as tarefas da AP são confiadas ao Estado, mas também a várias pessoas coletivas diferentes. Por outro lado, em sentido político refere-se à possibilidade dos orgãos de determinada pessoa coletiva serem livremente eleitos pelas respetivas populações, ou seja, a lei considera-os independentes a nível de competências. Por exemplo, nas autarquias locais, a população em questão é que decide, por via da eleição, o presidente da junta de freguesia. Apesar disto, existe a possibilidade de haver descentralização em sentido jurídico, mas não haver em sentido político. Por exemplo, na constituição de 1933, havia autarquias locais que eram pessoas coletivas distintas do estado (ou seja, em sentido jurídico), mas eram dirigidas por presidentes da camara nomeados pelo Estado (não comprido o sentido político)

A distinção entre centralização e descentralização é também importante para estudar este conceito. Como o nome indica, a centralização é o processo de dispor o poder apenas para o Estado, sem distribuição para outras entidades e autarquias (4). Em Portugal, este conceito foi predominante, especialmente no Estado Novo como vai ser referido posteriormente.

É ainda legitimo falar do princípio de legalidade (art. 266/1 CRP) – a Administração Pública carece de ligação ao Direito precisamente por este princípio. A AP é então sujeita a normas jurídicas e obrigatórias que constam tanto na CRP como na Lei n.º 66-B/2007, de 28 de dezembro (estabelece o sistema integrado de gestão e avaliação do desempenho na AP).

 [1] Professor Vasco Pereira Silva – “Em busca de um ato administrativo perdido” - Edição: 2021

[2] Ana Rita – “Descentralização do ensino em Portugal” – Edição: 2022

[3] Professor Vasco Pereira Silva – “Em busca de um ato administrativo perdido” -Edição: 2021


2.1 Contexto histórico da descentralização

Na idade média, as primeiras formas de autonomia administrativa começaram a surgir – As cartas forais concedidas pelo Rei a diferentes localidades garantiam privilégios e direitos de autogoverno que permitiam às comunidades locais que se organizassem de acordo com as suas necessidades.

 

A revolução Liberal de 1820 e consequente aprovação de Constituição de 1822 marcaram uma significativa mudança na administração. Com a introdução de ideias liberais, a noção de descentralização veio promover a democracia e a participação da população – neste período foram implementadas camaras municipais eleitas pelos cidadãos.

 

Já no Estado Novo (1926-1974), Portugal foi caracterizado por uma administração fortemente centralizada no Estado. Assim, os diferentes setores foram mantidos sob supervisão e severamente limitados. Esta centralização mantia o controlo social e político no território nacional, suprimido qualquer forma de autonomia que pudesse enfraquecer o estado e o regime.

 

O 25 de abril de 1974 estabeleceu o princípio da autonomia local como um elemento fundamental da organização política do Estado. A CRP reconheceu explicitamente a importância de autarquias locais.

Mais recentemente, a Lei n.º 50/2018 representou um marco importante no processo de descentralização, transferindo competências significativas do Estado central para os municípios, em áreas como a educação, saúde, ação social e habitação.

Assim, a Descentralização administrativa tem sido um processo complexo, marcado por avanços e recuos ao longo dos séculos. Atualmente vive-se um período de descentralização crucial para moldar a administração pública.

 [4] Armando Cândido – “Intervenção do Estado na Administração local (centralização e descentralização)” – Edição de 1957


3.    Vantagens

A descentralização apresenta vantagens que permitem estudar o conceito de forma adequada. Desta forma, as três vantagens predominantes são: a eficácia na prestação de Serviços; as liberdades locais e o aumento da participação (Art. 2 CRP – “baseado na soberania popular”) e controle social.

A eficácia na prestação de serviços aumenta com uma prática de descentralização num estado, ou seja, a distribuição de serviços pelos diferentes orgãos permite que cada um deles tenha um leque pequeno de preocupações, desta forma, permite às entidades uma maior concentração nas funções que estão predeterminadas, fazendo-as com maior rigor. Além disso, a descentralização permite uma gestão mais ágil e eficiente dos serviços públicos, como a educação e a saúde, ao possibilitar uma adaptação das políticas às realidades locais. Esta vantagem está estipulada no art. 267º CRP – “a administração pública será estruturada de modo a aproximar os serviços das populações”

Desta forma, se observarmos as autarquias locais como um exemplo desta vantagem, ao estar mais perto do “problema”, é possível obter uma resposta mais rápida e adequada se o poder tiver descentralizado do estado. Assim, é possível observar a autonomia das autarquias locais no art 243º CRP – “As autarquias locais possuem quadros de pessoal próprio, nos termos da lei”.

 

As liberdades locais são uma grande vantagem da descentralização na medida em que garantem aos órgãos e entidades um controlo autónomo da sua própria gestão. Com isto, a liberdade administrativa torna a gestão administrativa muito mais fácil por ser mais eficaz na distribuição de funções, ou seja, à semelhança do referido anteriormente, ao estar descentralizado do Estado, o poder local tem capacidade de atuar livremente sobre assuntos mais específicos e de realidades mais reduzidas que permitem a resolução de problemas de uma forma mais rápida.

Além disso, o Estado fica com menos sobrecarga nos assuntos que lhe competem, permitindo efetuar os assuntos pelo qual é responsável de forma mais competente.

 

Esta vantagem leva-nos a ponderar o aumento da participação, o estado garante “liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa” – Art 2º CRP. Desta forma, em autarquias locais, a participação local no poder administrativo é muito mais disponível do que se fosse apenas centrado no Estado – é repartido o poder entre várias pessoas que permite uma maior participação na vida política.

No entanto, existe um controlo social que pode ter também as suas vantagens e desvantagens. Por um lado, é possível afirmar que este controlo é necessário para não haver abuso de poder por parte de nenhum órgão e também para garantir a harmonia dentro da administração pública. Por outro lado, este controlo acaba por ser dúbio porque tira a liberdade que supostamente existe na descentralização da administração.

 

4.    Desvantagens

Ao estudar as vantagens de descentralização, é possível identificar desvantagens que nos permitem aprofundar o estudo sobre este conceito que é tão necessário para compreender a administração pública na sua integra, estes são: mau uso de poderes e possíveis conflitos de competência.

Em primeiro lugar, a grande desvantagem da descentralização administrativa é a possibilidade do mau uso dos poderes discricionários da administração por parte de pessoas ou órgãos que podem ou não ter capacidades para isso. Assim, é necessário haver um limite estabelecido pela lei para não acontecer o referido. Ou seja, num país tão desenvolvido como o nosso, existem muitos casos de falta de preparação para o exercício de funções que acabam por ser um ponto bastante negativo na grande descentralização que existe.[5]

 

Um problema real da descentralização administrativa é o conflito de competência – A descentralização pode trazer algumas questões de perceção da distribuição de competências, desta forma, levanta a pergunta: “De quem é o problema?” [6].

Às vezes é difícil perceber a que órgão é que compete resolver e administrar o assunto em causa. P. e, numa faculdade, a recolha do lixo é feita pelas senhoras da limpeza e consequentemente a separação do lixo também, mas se eventualmente essa separação não se concretizar, é um problema que é da competência do direito resolver? Ou de outros órgãos como a Associação de Estudantes?

Assim, às vezes pode haver estas dúvidas e acabar por não se resolver um problema por se considerar que “não é problema de ninguém”

 

 [5] Professor Vasco Pereira Silva – “Em busca de um ato administrativo perdido” - Edição: 2021

[6] Professor Doutor Fausto de Quadros – “A descentralização das funções do Estado nas Províncias Ultramarinas Portuguesas” – Edição: 1971


5.    Casos práticos

Para conseguir compreender melhor este conceito de descentralização é necessário estudá-lo na sua realidade. Assim, neste trabalho, vou analisar os exemplos da descentralização das funções do Estado nas províncias ultramarinas portuguesas.

“O estado é uma comunidade”[7] – esta noção permite admitir que é crucial haver administração publica para cumprir com as necessidades comuns. Desta forma, as funções do estado nas províncias ultramarinas portuguesas estão sujeitas a descentralização administrativa como constava no art. 148º da constituição política de 1933.

Esta descentralização (segundo o parecer do Conselho) estava sujeita à condição de ficar bem definida a autonomia concedida. Tendo isto em consideração, evitava-se a quebra de unidade política da nação portuguesa. Além disso, esta descentralização estaria limitada por ter de respeitar o Estado e garantir a eficácia do princípio descentralizador.

Assim, ao percorrermos este parecer, é possível concluir que é atribuído a autonomia estatual a cada província. Podemos comparar esta autonomia à Camara Corporativa a nível nacional. Apesar disto, não é correto afirmar que as províncias ultramarinas tinham a autonomia total de auto-organização, algo que, nos dias atuais, não seria considerado descentralização na sua totalidade.

Com isto, ao analisarmos este exemplo, concluímos que nem sempre, na história portuguesa, houve uma descentralização total, nem mesmo quando foi tentado como no caso das províncias ultramarinas portuguesas.

Para além deste exemplo, irei analisar também a descentralização na educação em Portugal.[8]

A descentralização em Portugal é uma realidade que abrange vários setores: a saúde, a educação, a segurança, entre outros. Ao analisar casos destes, percebemos que a descentralização é um conceito muito importante para a gestão destas administrações autónomas.

Ao longo dos anos, houve grandes mudanças no setor “educação” em Portugal. [9]Assim, o conceito de mudança no campo da educação surge, em grande parte, pelas mudanças sentidas na comunidade, ou seja, com o desenvolvimento da sociedade é um elemento essencial a ter em mente quando se fala de desenvolvimento na educação.

Desta forma, o art. 164/ i) refere que é de competência exclusiva da AR legislar sobre “bases do sistema de ensino”. Tendo isto em consideração, o legislador tem em mente a necessidade de o Parlamento deter poder de intervenção, daí ter de se recorrer à LBSE (Lei de Bases do Sistema Educativo) para obter estabilidade no sistema educativo.

O sistema português está dividido em grandes blocos: a educação pré-escolar; a educação escolar, o ensino básico, o ensino secundário e o ensino superior.

Ainda em matéria de exemplo, o art 5º/5 da LBSE refere que a educação pré-escolar é constituída por instituições próprias. Assim, ao afirmar que os blocos do ensino têm auto-organização como princípio para o seu funcionamento, conclui-se que existe uma maior aproximação aos problemas de cada ensino, ou seja, cada um destes blocos têm problemas da sua realidade, que são diferentes uns dos outros. Ao estarem descentralizados do sistema de edução na sua totalidade, têm o poder de resolver estas necessidades de maneiras mais eficazes.

 [7] Fausto de Quadros –“A descentralização das funções do estado nas províncias ultramarinas portuguesas” – Edição: 1971


6.    Comentário Crítico

A meu ver, a descentralização é essencial em qualquer organização administrativa. Com isso, ao estudar os casos acima referidos, posso afirmar que a descentralização sofreu as suas mudanças – grande parte dessas mudanças ocorreram devido ao grande crescimento de densidade populacional que obrigaram a uma reforma neste conceito.

Apesar disto, o facto de haver cada vez mais descentralização não é de todo um ponto totalmente positivo. A possibilidade de existir um abuso de poder por parte de entidades infra estatuais é cada vez maior, o que pode acabar num retorcer daquilo que já se avançou. Ou seja, as desvantagens pesam cada vez mais e se continuar a crescer, a probabilidade de haver uma quebra é alta.

Apesar disto, sem descentralização não seria possível resolver as necessidades da sociedade com a rapidez e com a eficácia que é realizado atualmente. Isto é comprovado com a evolução deste conceito.

 

7.    Conclusão

A descentralização administrativa é um conceito essencial para a organização administrativa. Ao longo deste trabalho, analisou-se a sua evolução histórica deste conceito, marcado pelos seus avanços e recuos, e as suas vantagens e desvantagens.

Entre as vantagens, destaca-se a eficácia na prestação de serviços que ocorre por haver poder local nas autarquias locais que acabam por estar mais próximas do problema, ou seja, consequentemente conseguem dar mais atenção às necessidades locais. Entre as desvantagens, a dúvida do órgão competente para atuar é um problema que tem vindo a tentar ser resolvido.

Além disso, ainda foram analisados casos práticos que demostram a evolução deste conceito – ilustram que estre processo também precisa de ajustes contínuos para alcançar um equilíbrio entre autonomia local e o Estado.

Apesar deste conceito carecer da lei para estipular limites e não acabar por haver abuso de poder em certos setores, a descentralização é uma ferramenta indispensável para a modernização e democratização da administração pública.

Em síntese, o estudo deste conceito pode cair num paradoxo: por um lado, a descentralização é simultaneamente uma solução para os desafios da AP e, por outro lado, uma fonte de novos problemas que exigem uma vigilância constante. Ao ultrapassar estas desvantagens, a descentralização contribui para uma AP mais moderna e eficaz.



[1] Professor Vasco Pereira Silva – “Em busca de um ato administrativo perdido” - Edição: 2021

[2] Ana Rita – “Descentralização do ensino em Portugal” – Edição: 2022

[3] Professor Vasco Pereira Silva – “Em busca de um ato administrativo perdido” -Edição: 2021

[4] Armando Cândido – “Intervenção do Estado na Administração local (centralização e descentralização)” – Edição de 1957

[5] Professor Vasco Pereira Silva – “Em busca de um ato administrativo perdido” - Edição: 2021

[6] Professor Doutor Fausto de Quadros – “A descentralização das funções do Estado nas Províncias Ultramarinas Portuguesas” – Edição: 1971

[7] Fausto de Quadros –“A descentralização das funções do estado nas províncias ultramarinas portuguesas” – Edição: 1971

[8]Ana Rita Prata – “Descentralização e educação em Portugal” – Edição 2022

[9] Ana Rita Prata – “Descentralização e educação em Portugal” - Edição - 2022

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