A informatização do ato, uma perspetiva do século XX
Embora aquando da elaboração deste texto estivéssemos sob a égide de um Código do Procedimento Administrativo distinto, este artigo acaba por se demonstrar atual em virtude das necessárias adaptações que ocorreram e das urgentes atualizações vindouras.
O artigo em apreço, apresenta uma análise sobre o impacto da informatização na Administração Pública. Publicado em 1997, o estudo mantém-se relevante, dada a progressiva digitalização administrativa e os desafios jurídicos que dela decorrem.
O autor inicia a sua abordagem destacando a crescente importância da informática na atuação administrativa, refletindo sobre os benefícios e riscos da automatização. Embora a utilização de sistemas informáticos proporcione maior rapidez, eficiência e capacidade, também suscita preocupações quanto à desumanização das decisões, à rigidez dos procedimentos e à eventual limitação dos direitos.
Um dos principais pontos discutidos no artigo é a qualificação jurídica do ato administrativo informático. Tradicionalmente, os atos administrativos são entendidos como as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta. No entanto, Pedro Costa Gonçalves propõe uma redefinição que incorpora a participação dos sistemas informáticos no processo decisório. O autor sugere que a decisão automatizada deve ser reconhecida como um ato administrativo quando for assumida pelo órgão competente, ainda que tenha sido gerada por um equipamento informático. Essa perspetiva abre espaço para um debate mais amplo sobre a atribuição da responsabilidade e a legitimidade dessas decisões no ordenamento jurídico.
Além disso, o autor examina as condições de validade desses atos, alertando para possíveis falhas derivadas de erros na programação, na introdução de dados ou no funcionamento dos sistemas. Diante dessas fragilidades, propõe um regime de responsabilidade objetiva para a Administração Pública, visando assegurar a proteção dos cidadãos diante de eventuais falhas nos processos automatizados.
A reflexão desenvolvida por Pedro Costa Gonçalves insere-se num debate mais amplo sobre a modernização da Administração Pública e a necessidade de adaptação do direito administrativo às novas tecnologias. O autor enfatiza que, embora os sistemas informáticos desempenhem um papel fundamental na racionalização e celeridade das decisões, a supervisão humana continua essencial para garantir a legitimidade e a justiça do processo decisório. Assim, a informatização deve ser encarada como um meio de aperfeiçoamento administrativo, sem comprometer os princípios constitucionais e procedimentais que regem a atuação da Administração.
O professor de Coimbra, acaba por nos alertar para a necessidade imediata para regular e positivar os problemas específicos da conjugação entre o direito administrativo e a tecnologia, “(...) chamando a atenção para a urgente necessidade de previsão de uma disciplina legal que regule os problemas específicos [...] colocados pela automação da decisão administrativa”. Desde 2015, que um novo CPA prevê a existência de uma enumeração de princípios aplicáveis à administração eletrónica (art.14.º CPA), tendo este preceito normativo, o legislador acabou por preencher determinadas lacunas.
Martim Dias, n.º69565
Aula n.º 5
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DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, vol. II. 4ª edição, Almedina, 2018.
PEDRO COSTA GONÇALVES, “O acto administrativo informático”, in Scientia Ivridica, n.º 267, Universidade do Minho, Braga, 1997, pp. 47-95
VASCO DA SILVA PEREIRA, Em busca do acto administrativo perdido, Almedina, 2016.
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