Recensão Crítica, Lívia Jorge
"O Ato Administrativo Informático" é um artigo da autoria do Professor Pedro Costa Gonçalves, publicado na revista Scientia Iuridica nº267 em 1997, no qual é analisado a aplicação informática na decisão administrativa e as suas implicações no direito administrativo.
Nesta obra, o autor examina a crescente utilização de sistemas informáticos na atuação administrativa, distinguindo duas formas principais de automação administrativa, a informática documental e a decisória. Dentro deste âmbito, retrata o uso de meios informáticos para armazenar, organizar e aceder a documentos e informações, servindo como suporte ao processo decisório humano. Porém, ainda relaciona a delegação da própria função decisória a sistemas informáticos, onde as máquinas não apenas auxiliam, mas tomam decisões administrativas baseadas em critérios previamente estabelecidos.
Ora, tradicionalmente um ato administrativo é definido como uma ação humana voluntária, que aplica a lei a uma situação concreta, produzindo efeitos jurídicos, porém com a introdução de sistemas informáticos na administração pública, surgiram questionamentos sobre a validade jurídica de decisões tomadas automaticamente por esses sistemas. Quanto a isto, o autor da obra argumenta que embora a decisão seja executada por meios informáticos, a programação e os critérios para a tomada de decisões são estabelecidos por agentes humanos, o que acaba por refletir a vontade da Administração Pública, sendo assim, um ato administrativo válido.
Apesar dos argumentos inevitavelmente robustos do professor, questiono se não estamos a pôr em causa a essência do ato administrativo, do qual envolve a manifestação de vontade do agente público, algo que é intrinsecamente humano e baseado em responsabilidade direta, ou seja, a responsabilidade política e jurídica que recai sobre o agente público poderia ser diluída com a autonomização do ato, já que a máquina não pode assumir responsabilidades o que pode gerar falta de controle.
Parece-me ainda que o ato administrativo informático iria gerar decisões automatizadas, o que põem inevitavelmente em perigo a discricionariedade e flexibilidade presentes no ato administrativo, sendo inegável que a falta de intervenção humana pode gerar erros e preconceitos embutidos na programação, algo que um administrador humano pode corrigir no exercício do seu discernimento.
Considero também que apesar do autor demonstrar que a própria administração deve fazer algo com a própria decisão informática e que esta decisão do sistema é válida, como ato administrativo, porque ela é gerida a partir de regras definidas por humanos, parece-me que isto pode originar problemas quanto à definição tradicional, que exige a realização de uma ação concreta, com efeitos jurídicos, tomada por um ente público, podendo ser corrompida a relação direta entre a Administração e o cidadão.
Concluindo, apesar da grandeza da ideia, e das inevitáveis vantagens que um sistema informático pode trazer à Administração, entendo que a sua natureza não se resume apenas a uma aplicação mecânica de regras, mas envolve um espaço de interpretação, ponderação e interação com os cidadãos que este tipo de sistema não pode replicar por completo.
Lívia Jorge SUB10
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