AS GARANTIAS DOS PARTICULARES: SERÃO SUFICIENTES OS MECANISMOS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS DOS CIDADÃOS PERANTE A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA?
AS GARANTIAS DOS PARTICULARES: SERÃO SUFICIENTES
OS MECANISMOS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS DOS CIDADÃOS PERANTE A ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA?
Mariana Pavão Grelo, N.º 69704
Prof. Doutor Regente Vasco Pereira da Silva
Prof. Assistente Beatriz Rebelo Garcia
ÍNDICE: l. Breve introdução ao tema – 2. As garantias dos particulares: proteger os cidadãos – 2.1. As garantias políticas – 2.2. As garantias administrativas – 2.2.1. As garantias petitórias – 2.2.2 As garantias impugnatórias – 2.3. As garantias contenciosas – 3. Novos pontos de vista – haverá a necessidade de mais mecanismos de proteção? – 4. Considerações finais
Resumo: O presente trabalho tem por objeto o estudo das garantias dos particulares no Direito Administrativo e a sua suficiência ou insuficiência quanto à proteção dos direitos dos cidadãos perante a Administração Pública. Atualmente, apresentam-se variados pontos de vista quanto a esta questão, que se afigura controversa na doutrina.
Palavras-chave: Garantias; Particulares; Direitos
dos cidadãos; Administração Pública.
1. BREVE INTRODUÇÃO AO TEMA
A razão de ser da Administração
Pública reside, na sua essência, na satisfação das necessidades públicas ou
coletivas, sendo, pois, os cidadãos os principais destinatários da atividade
que exerce.[1] Desta
forma, foi importante a criação de mecanismos de proteção para os cidadãos
quando estes sentem que a Administração não zela pelo seu superior interesse.
Mas será que estes mecanismos, denominados de garantias, são suficientes? Será
necessário criar novos mecanismos ou apenas melhorar os já existentes? Tentarei
responder a estas perguntas.
No contexto da proteção dos particulares, as garantias assumem, de facto, um papel essencial na defesa dos indivíduos face a eventuais abusos por parte da Administração. Na verdade, o particular encontra-se, muitas vezes, numa situação de vulnerabilidade face às decisões administrativas que afetam os seus interesses. É importante perceber a configuração e a eficácia das garantias que os administrados têm ao seu alcance.
2. AS GARANTIAS DOS PARTICULARES:
PROTEGER OS CIDADÃOS
Hoje, os particulares têm ao seu
alcance poderes jurídicos que funcionam como proteção contra os abusos e
ilegalidades cometidas pela Administração Pública – as garantias dos
particulares. Quanto à natureza dos meios em que consistem as garantias
existentes na nossa ordem jurídica, de uma forma não exaustiva, estas podem ser
classificadas em: garantias políticas, garantias administrativas
e garantias contenciosas.[2]
2.1. As garantias políticas: meras
medidas politizadas
As garantias políticas têm, tal
como o nome indica, um conteúdo político. A organização democrática do Estado
constitui, por si só, uma garantia para os particulares. Aqui, podemos indicar como
garantias especificamente protetoras dos particulares, em casos individuais e
concretos, o direito de petição e o direito de resistência.[3] Na verdade, podemos também
indicar como garantias políticas, do ponto de vista objetivo, por exemplo, a
fiscalização das leis ou a regra de aprovação anual do Orçamento de Estado.
O direito de petição, por força do
n.º 1 do artigo 52º da Constituição da República Portuguesa, corresponde a um direito
que pode ser exercido pelos particulares junto dos órgãos de soberania, dos
órgãos de governo próprio das regiões autónomas dos Açores e da Madeira ou de quaisquer
outras autoridades, sobre qualquer matéria, desde que esta não seja ilegal nem
se refira a decisões dos tribunais. Este direito realiza-se através da
exposição escrita para defesa de direitos, da Constituição, da lei ou do
interesse geral.
O direito de resistência, por força
do artigo 21º da Constituição da República Portuguesa, corresponde à
legitimidade que um indivíduo tem para não cumprir uma ordem que seja ofensiva
dos seus direitos, liberdades e garantias ou de se defender, aquando do uso da
força, da mesma forma, na impossibilidade de recorrer às autoridades.
Estes dois direitos demonstram-se,
no entanto, insuficientes[4], já que são raros os casos
englobados por estas garantias. Daí a necessidade de criar outros tipos de
garantias, tal como veremos a seguir.
As garantias políticas são,
efetivamente, meras medidas politizadas, e, na verdade, inseguras, já que se
pode considerar que estão sempre sujeitas à conveniência política. Estarão
estas garantias condenadas à banalização?
2.2. As garantias administrativas: a
antiga “graça” dada pelo soberano
Perante a insuficiência demonstrada
pelas garantias políticas, fala-se em garantias administrativas. Com estas
garantias, pretende-se confiar a prevenção e a repressão das violações dos
direitos subjetivos dos cidadãos e os seus interesses legítimos às próprias
autoridades administrativas, mediante os tão relevantes poderes de
superintendência[5]
e fiscalização[6]
que certos órgãos exercem em relação à atividade de outros, esperando-se que a
legalidade e os direitos dos administrados possam ser garantidos com esta
dinamização interna do poder administrativo.[7] Os órgãos administrativos,
à partida, devem atuar desprovidos de convicções políticas, algo que não
acontece, como referido anteriormente, nas garantias políticas, devendo
obediência só e apenas à lei, e, consequentemente, aos direitos dos
administrados. Assim, aquando de uma ilegalidade ou da violação destes
direitos, os órgãos têm o dever jurídico de dar razão aos particulares.[8]
Dentro destas garantias, temos de distinguir, por um lado, entre aquelas que funcionam como garantias de mérito e garantias de legalidade. Por outro lado, de um ponto de vista mais jurídico, com maior relevância, podemos fazer a distinção entre garantias petitórias, que têm por base um pedido, e garantias impugnatórias, que têm por base uma impugnação.
2.2.1. As garantias petitórias:
panóplia de poderes
Estas garantias, consideradas como subgrupo das garantias administrativas, surgem através de um pedido. Devemos, assim, analisar cinco espécies distintas de garantias petitórias. Em primeiro lugar, destaca-se o direito de petição, através do qual os administrados podem dirigir pedidos à Administração Pública para que esta tome decisões, preste informações ou permita o acesso a determinados arquivos/processos, permitindo aos particulares a obtenção de algo em falta. Exemplos de direitos aqui incluídos são o direito que os cidadãos têm de reagir contra a omissão ilegal de atos administrativos, solicitando a emissão do ato pretendido, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 184º do Código de Procedimento Administrativo, e o direito à informação dos interessados sobre procedimento que diretamente lhes digam respeito, previsto no artigo 82º do Código de Procedimento Administrativo. Em segundo lugar, o direito de representação corresponde à faculdade de pedir ao órgão administrativo a reconsideração ou confirmação de uma decisão.[9] Em terceiro lugar, e talvez o direito mais relevante e conhecido, o direito de denúncia é o ato pelo qual os particulares levam ao conhecimento das autoridades competentes a ocorrência de um determinado facto que essas autoridades têm a obrigação de investigar. Em quarto lugar, a oposição administrativa corresponde a uma contestação que os contra-interessados têm direito de apresentar para impedir pedidos formulados por outrem ou pela própria Administração Pública. Por último, falamos numa figura controversa, que se relaciona diretamente com o direito de denúncia, o direito de queixa. Este direito consiste na promoção do exercício do poder sancionatório da Administração Pública. Esta figura afirma-se controversa, já que, apesar de se inserir nas garantias petitórias, na verdade, não é petitória, porque não se limita a fazer um pedido genérico, nem impugnatória, porque não pressupõe a existência de uma decisão anterior.[10]
2.2.2. A garantias impugnatórias: a
reclamação e o recurso hierárquico
Aqui, os cidadãos têm a
oportunidade de atacar um ato com determinados fundamentos, com o objetivo de
proceder à sua revogação, anulação ou modificação, tal como previsto no n.º 1 e
no n.º 2 do artigo 184º do Código do Procedimento Administrativo. No âmbito
destas garantias, encontramos dois instrumentos: a reclamação e o recurso
hierárquico.[11]
O primeiro instrumento, a reclamação, cujo regime geral se encontra previsto no
artigo 191º do Código do Procedimento Administrativo, constitui o pedido de
reapreciação do ato administrativo dirigido ao seu autor, podendo fundar-se na
ilegalidade ou no demérito da atuação administrativa e apresentando um carácter
facultativo, tal como previsto no n.º 2 do artigo 185º do Código do
Procedimento Administrativo. Já o segundo instrumento, o recurso hierárquico,
cujo regime geral se encontra previsto no artigo 193º do Código do Procedimento
Administrativo, garante uma maior proteção dos administrados, consistindo num
pedido de reapreciação do ato administrativo dirigido ao superior hierárquico
do seu autor. Funda-se, à semelhança da reclamação, na ilegalidade ou no
demérito da atuação administrativa.[12]
2.3. As garantias contenciosas: as
verdadeiras garantias dos particulares
As garantias contenciosas são
aquelas que se efetivam através da atuação de órgãos jurisdicionais, ou seja,
dos tribunais.[13]
Têm como pressuposto, tal como os outros dois tipos de garantias, a ilegalidade
dos comportamentos da Administração Pública.[14] São, sem dúvida, as
garantias mais seguras, são as verdadeiras garantias dos particulares.
A Doutrina faz corresponder a estas
garantias o contencioso administrativo. A nossa lei refere-se ao contencioso
administrativo em vários sentidos, no entanto, o sentido mais correto será o
sentido material, que se prende com a matéria da competência dos tribunais
administrativos. O contencioso administrativo tem apresentado uma dupla
funcionalidade: por um lado, é um meio de garantia dos administrados nas
relações jurídico-administrativas; por outro lado, é um meio de garantia da
legalidade na Administração Pública.
Atualmente, em matéria de gestão
pública, as principais garantias contenciosas dos particulares são: quanto aos regulamentos
administrativos, temos, por exemplo, o direito à declaração da ilegalidade de
normas regulamentares e o direito à suspensão cautelar de normas regulamentares
aparentemente ilegais; quanto aos atos administrativos, o direito à anulação de
atos administrativos ilegais ou inexistentes; do ponto de vista dos contratos
administrativos, é de referir, por exemplo, o direito de condenação da
Administração Pública à celebração ou à execução de contratos legalmente
devidos. Fica, no entanto, a faltar referir outras garantias contenciosas que
não se incluem em nenhuma destas categorias, como é o caso do direito à decisão
dos conflitos de atribuições e competências entre órgãos da Administração
Pública e do direito à obtenção das medidas e decisões jurisdicionais que sejam
necessárias e suficientes para a plena execução das sentenças dos tribunais
administrativos contra a Administração.[15]
A Administração Pública deve administrar,
respeitando a legalidade, mas com poderes discricionários. Os Tribunais, por
sua vez, têm como competência apreciar essa mesma legalidade.
3. NOVOS PONTOS DE VISTA – HAVERÁ A
NECESSIDADE DE MAIS MECANISMOS DE PROTEÇÃO?
Hoje, há, evidentemente, a
necessidade de criação de mais mecanismos de proteção, mas, principalmente, de
melhoramento dos mecanismos já existentes. Não, estas garantias dos
particulares não são suficientes.
Do ponto de vista do necessário
melhoramento dos mecanismos já existentes, podemos indicar alguns problemas que
prevalecem no nosso ordenamento jurídico. Como referido anteriormente, as
garantias, principalmente as garantias políticas, são alvo de uma grande
influência política e de interesses particulares dos órgãos, o que gera, por
vezes, decisões pouco (ou nada) imparciais, prejudicando os direitos dos
particulares. Por outro lado, a atual complexidade dos processos
administrativos, bem como a falta de informação e os possíveis custos
envolvidos, dificultam o acesso dos particulares a estes mecanismos de
proteção. É, assim, importante garantir a transparência e a imparcialidade das
decisões da Administração. Atualmente, há a ideia de um desequilíbrio de meios
entre a Administração e os particulares.
Apenas as garantias contenciosas
demonstram ser totalmente eficazes e seguras, uma vez que se efetivam através
da atuação dos tribunais. Os tribunais são órgãos independentes, o que assegura
uma maior imparcialidade na tomada de decisões, ao contrário das garantias políticas
e administrativas.
4.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A
proteção dos direitos dos particulares perante a Administração Pública é um dos
pilares fundamentais do Estado de Direito. As garantias previstas no ordenamento
jurídico português representam mecanismos essenciais para assegurar o respeito
pela legalidade e pelos direitos dos cidadãos. No entanto, nem todas estas
garantias apresentam a eficácia e segurança jurídica pretendidas.
As
vias não contenciosas, as garantias políticas e as garantias administrativas,
embora importantes enquanto formas de resolução célere e informal de conflitos,
revelam-se, muitas vezes, insuficientes devido à sua natureza facultativa, não
vinculativa e dependente da própria estrutura administrativa. As garantias
contenciosas, ao estarem dependentes dos Tribunais, apresentam-se como sendo
mais eficazes.
É,
no entanto, necessário um melhoramento no acesso a estes mecanismos de proteção
dos particulares perante a Administração Pública, contribuindo para a garantia
de uma verdadeira igualdade entre os administrados e a Administração. Torna-se,
assim, evidente que a eficácia das garantias depende não apenas da sua previsão
legal, mas também da sua aplicabilidade concreta.
REFERÊNCIAS/BIBLIOGRAFIA
JOSÉ
FERNANDES FARINHA TAVARES, in Revista Administração Pública e Direito
Administrativo, 3.ª Edição, Coimbra, 2007, p. 131, Almedina.
MARCELLO
CAETANO, Manual de Direito Administrativo, Vol. II, Coimbra, 1983, pp.
1202-1208, Almedina.
DIOGO
FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, 4.ª Edição,
Coimbra, 2018, pp. 628-634, Almedina.
ANTÓNIO
CIPRIANO DA SILVA, Garantias dos administrados, in Revista “TOC” n.º
105, 2008, pp. 64-66.
JOÃO
CAUPERS, Introdução ao Direito Administrativo, 12.ª Edição, Lisboa,
2016, p. 381, Âncora Editora.
[1] JOSÉ FERNANDES FARINHA TAVARES, in
Revista Administração Pública e Direito Administrativo, 3.ª Edição,
Coimbra, 2007, p. 131, Almedina.
[2] MARCELLO CAETANO, Manual de
Direito Administrativo, Vol. II, Coimbra, 1983, p. 1202, Almedina.
[3] DIOGO
FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, 4.ª Edição,
Coimbra, 2018, p. 628, Almedina.
[4] DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso
de Direito Administrativo, Vol. II, 4.ª Edição, Coimbra, 2018, p. 628,
Almedina.
[5] Por poder de superintendência
entende-se o poder que é conferido ao Estado ou a outra pessoa coletiva pública
de fins públicos, de definir os objetivos e de guiar a atuação das pessoas
coletivas públicas de fins singulares colocadas por lei na sua dependência.
[6] Por poder de fiscalização
entende-se o conjunto de atribuições conferidas à Administração Pública para
garantir o cumprimento da lei e das normas que regulamentam a atividade
administrativa
[7] MARCELLO CAETANO, Manual de
Direito Administrativo, Vol. II, Coimbra, 1983, p. 1205, Almedina.
[8] DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso
de Direito Administrativo, Vol. II, 4.ª Edição, Coimbra, 2018, p. 630,
Almedina.
[9] DIOGO
FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, 4.ª Edição,
Coimbra, 2018, p. 633, Almedina.
[10] DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso
de Direito Administrativo, Vol. II, 4.ª Edição, Coimbra, 2018, p. 634,
Almedina.
[11] ANTÓNIO CIPRIANO DA SILVA, Garantias
dos administrados, in Revista “TOC” n.º 105, 2008, pp. 64-66.
[12] JOÃO CAUPERS, Introdução ao
Direito Administrativo, 12.ª Edição, Lisboa, 2016, p. 381, Âncora Editora.
[13] MARCELLO CAETANO, Manual de
Direito Administrativo, Vol. II, Coimbra, 1983, p. 1208, Almedina.
[14] ANTÓNIO CIPRIANO DA SILVA, Garantias
dos administrados, in Revista “TOC” n.º 105, 2008, pp. 64-66.
[15] DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso
de Direito Administrativo, Vol. II, 4.ª Edição, Coimbra, 2018, p. 661,
Almedina.
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