A Aplicação do Código de Procedimento Administrativo (CPA) ao desporto português e a Impugnação de Decisões Administrativas - operação Prova Limpa e o caso Mateus

 A Aplicação do Código de Procedimento Administrativo (CPA) ao desporto português e a Impugnação de Decisões Administrativas - operação Prova Limpa e o caso Mateus.


Beatriz Antão Soares[1]

Sumário: 1. O Desporto e a Administração Pública; 2. A equipa W52-FC Porto e a descida administrativa do Gil Vicente; 3. Princípios administrativos e a Autoridade Antidopagem de Portugal; 4. Nulidade da decisão do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol; 5. Conclusões

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo principal a análise crítica à Operação Prova Limpa e ao Caso Mateus, dois processos que demonstram a aplicação do Código de Procedimento Administrativo no âmbito do desporto português (respetivamente, sanções disciplinares pelo uso de substâncias ilícitas de modo a melhorar o desempenho desportivo e um ato administrativo que teve como consequência a despromoção de um clube de desporto para a Segunda Liga de Futebol)

Palavras-chave: Código de Procedimento Administrativo; Autoridade Antidopagem de Portugal; Princípio da legalidade; Nulidade dos atos administrativos; Meios de Impugnação Administrativa.

  1. O Desporto e a Administração Pública 

Em Portugal, a visão do Estado sobre o desporto tem variado ao longo dos anos e consoante os próprios regimes em vigor: durante o Estado Novo (1933-1974), o futebol de alta competição era nomeadamente instrumentalizado por motivos políticos, de modo a demonstrar a grandeza da Nação[2]. Em 1976, com a nova Constituição da República Portuguesa (CRP), foi reconhecido ao cidadão o direito à “cultura física e ao desporto, como meios de valorização humana” no art. 79º, tendo sido reescrito pelas sucessivas revisões desde então[3].

Aos dias de hoje, com a proliferação do “desporto para todos”, mas principalmente do “desporto de alto rendimento”[4], a intervenção da Administração Pública na área desportiva demonstra-se paulatinamente mais essencial, não apenas por imperativo constitucional[5], mas também pela necessidade deste meio cada vez mais complexo.

Segundo o nº1 do artigo 2º do Código de Procedimento Administrativo (adiante, CPA), quaisquer entidades que adotem condutas no exercício de poderes públicos devem respeitar as disposições “(...) respeitantes aos princípios gerais, ao procedimento e à atividade administrativa (...)”. Sendo o desporto uma tarefa de interesse público, as entidades que prosseguem tais fins são inúmeras, desde coletividades desportivas, Sociedades Anónimas Desportivas, até às entidades com vista à regulação desta atividade, como será desenvolvido adiante.

A complexidade e a especificidade da realidade desportiva não afastam, contudo, a sua submissão ao Direito Administrativo sempre que esteja em causa o exercício de poderes públicos. Pelo contrário, exigem uma atenção redobrada quanto à conformidade dos atos praticados com os princípios fundamentais da Administração Pública. A análise de casos concretos em que tais princípios tenham sido postos à prova — como os processos relacionados com a equipa W52-FC Porto ou com o chamado "Caso Mateus" — permite compreender não só a dimensão jurídica da intervenção administrativa no desporto, como também os riscos associados ao incumprimento das garantias procedimentais previstas na lei.

Mais do que descrever factos e desenvolver teoricamente os conceitos em causa, a presente análise tem em vista a sua aplicação em contextos reais da área do desporto, de modo a compreender o próprio diploma (Decreto-Lei nº4/2015, de 7 de Janeiro - CPA) e a sua extensão para além da Administração Pública na sua vertente politizada. Pretende-se, também, dar a minha opinião sobre os casos mencionados - o que ocorreu de acordo com as normais legais, aquilo que devia ter sido tido em consideração e o que violou o CPA.

  1. A equipa W52-FC Porto e a descida administrativa do Gil Vicente FC

De modo a uma melhor compreensão dos factos em cima da mesa, da realidade nacional e da própria aplicação dos conhecimentos de Direito Administrativo e legislação relevante, passarei a uma breve explicitação de ambos os casos.

W52-FC Porto foi uma das mais prestigiadas equipas de ciclismo portuguesa de categoria Continental criada em 2004, tendo esta designação apenas desde 2016. Em 2022, e no âmbito da operação “Prova Limpa”[6], vários elementos da equipa, incluindo diretores e médicos, foram detidos devido a suspeitas de uso de substâncias proibidas. A investigação a posteriori levada a cabo pela Polícia Judiciária levou à suspensão dos visados[7] e a retirada da licença da equipa pela União Ciclista Internacional (UCI), com base em relatórios providenciados pela Autoridade Antidopagem de Portugal (ADoP) e da Federação Portuguesa de Ciclismo (FPC). A ADoP aplicou sanções disciplinares, sanções essas que variaram entre os três e os vinte e cinco anos de suspensão do exercício da atividade profissional em causa, aos membros desta equipa por diversas razões, tais como: tráfico, administração e posse de substâncias proibidas e métodos proibidos, passaporte biológico, e posse de método ou substância proibida[8].

Faço a ressalva que este processo, pela sua natureza, envolveu vários aspetos do foro criminal e penal que não serão abordados nesta exposição, mas sim a atuação da ADoP enquanto autoridade administrativa no âmbito do procedimento disciplinar em causa.

Relativamente ao famoso “Caso Mateus”, este teve o seu início em 2006, aquando da inscrição do jogador angolano Mateus da Costa, contratado ao FC Lixa. Após denúncia do CF “Os Belenenses”, a Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) considerou que o jogador não reunia os requisitos para ser inscrito como profissional e, como tal, a inscrição de Mateus na Primeira Liga violava os regulamentos desportivos vigentes.

Como consequência do recurso aos tribunais civis por parte dos “gilistas” (prática proibida pelos regulamentos da Federação Portuguesa de Futebol - FPF - e da FIFA), a Comissão Disciplinar da LPFP decidiu a despromoção administrativa do clube de Barcelos, decisão confirmada pelo Conselho de Justiça da FPF. Não satisfeito, veio requerer ao TAF de Lisboa a suspensão da eficácia dos diversos atos e a autorização provisória para participar no principal escalão do futebol profissional na época 2006/07, que julgou improcedente.

Este ato administrativo veio a ser declarado nulo pelo Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa apenas em 2016, pondo fim a um caso com grande repercussão no meio desportivo e jurídico.

De seguida, abordarei os detalhes relevantes para o Direito Administrativo e para a aplicação do CPA de cada caso individualmente.

  1. Princípios administrativos e a Autoridade Antidopagem de Portugal

A Autoridade Antidopagem de Portugal (ADoP) é a organização nacional com funções de controlo e na luta contra a dopagem no desporto enquanto entidade responsável pela adoção de regras com vista a desencadear, implementar ou aplicar qualquer fase do procedimento de controlo, segundo o nº1 o do artigo 18º da Lei nº81/2021, de 30 de novembro (Lei Antidopagem no desporto). O nº4 do mesmo artigo classifica a ADoP como “um serviço central da administração direta do Estado, dotado de autonomia administrativa (...)”, ou seja, a atividade é exercida por serviços integrados na pessoa coletiva Estado[9], sub tutela funcional do membro do Governo responsável pelo desporto. O artigo 20º/1, alínea m) determina a competência da ADoP de “Instaurar e instruir os procedimentos disciplinares;”.

Como foi dito anteriormente, vários ciclistas e equipa técnica foram suspensos, sendo a suspensão uma das “consequências de violação de normas antidopagem”[10]. Estaremos perante atos administrativos?

O artigo 148º do CPA dispõe: “consideram-se atos administrativos as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos[11] numa situação individual e concreta.”. É através destes que são concretizadas normais gerais e abstratas constantes nas fontes de Direito, cumprindo também uma “função substantiva” e uma ”função procedimental”[12].

Uma vez que os atletas e restantes membros do staff ficaram impedidos de exercer a sua atividade profissional desportiva, parece-me claro o caráter punitivo/sancionatório deste ato: foram praticados atos ilícitos por particulares, puníveis pela Lei Antidopagem do desporto e pela ADoP, no âmbito do seu “poder sancionatório” e através de um “procedimento administrativo que culmina na prática de um ato administrativo”[13].

Tal procedimento administrativo necessário entende-se como “a sucessão ordenada de atos e formalidades relativos à formação. manifestação e execução da vontade” da ADoP, enquanto órgão da Administração Pública[14], como tal, o CPA enumera vários princípios administrativos que devem ser respeitados na íntegra. Terão estes sido respeitados no domínio da operação “Prova Limpa”?

Primeiramente, o princípio da legalidade consta do artigo 266º/2 da CRP e do artigo 3º do CPA, que determina que “Os órgãos da Administração Pública devem atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respectivos fins.”. O diploma legal mais relevante no caso da W52-FC Porto é a Lei Antidopagem no desporto e, por remissão deste no seu artigo 4º, o Código Mundial Antidopagem. Passemos à análise dos seus artigos.

O artigo 5º/2 identifica os comportamentos considerados como violadores das normas antidopagem, que são especificados para cada atleta no Anexo I (de modo que não mencionarei ao pormenor), e que são classificados como ilícitos disciplinares no artigo 69º, o que determina automaticamente a abertura de um procedimento disciplinar pela ADoP (artigo 71º). O artigo 77º nos seus vários números determina os critérios de graduação da pena de suspensão dos praticantes desportivos e os artigos 83º/16 e 85º/1 admitem a redução do período de suspensão caso o visado admita a violação de uma norma e aceite o período de suspensão[15]. Por fim, o artigo 80º/6 é aplicável aos dirigentes,considerados “outras pessoas” dado que não são praticantes desportivos, com as penas de suspensão mais severas, Nuno Ribeiro e José Rodrigues.

É possível afirmar que o princípio da legalidade foi respeitado pela ADoP, devido à vasta base legal presente que se enquadra no caso. No entanto, o mero enquadramento não implica que o procedimento tenha sido consoante as normas aplicáveis: é necessário fundamentar a aplicação de tais normas através de factos e provas que o justifiquem - existem um dever de fundamentação.

Em conformidade com o artigo 152º do CPA, todos os atos administrativos que afetem interesses legalmente protegidos devem explicitar de forma clara as razões de facto e de direito que justificam a decisão. A falta da mesma pode conduzir à anulabilidade nos termos do artigo 163º do mesmo diploma. Apesar de não ser possível aceder a todos os dados do processo devido à sua natureza[16] e grande parte dos envolvidos terem admitido a prática de atos ilícitos[17], a prova dos factos em casos de doping não deve ser considerado um dado adquirido, havendo situações como a do andebolista da Seleção Nacional e do Aalborg Miguel Martins.

Após uma alegada violação das normas antidopagem, o jogador foi suspenso preventivamente a 14 de janeiro, um dia antes do Mundial de Andebol, competição em que Portugal fez uma prestação exímia e alcançou um histórico quarto lugar. Em fevereiro, conclui-se que não existiu nenhuma infração, tendo sido a suspensão levantada e reconhecido que, numa primeira fase, não existiu provas suficientes. Este caso demonstra a importância do respeito pelo dever de fundamentação, de modo a proteger a vida pessoal e profissional dos particulares envolvidos.

  1. Nulidade da decisão do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol

Segundos o artigo 1º/1 dos Estatutos da FPF[18], esta é uma “pessoa coletiva sem fins lucrativos, de utilidade pública, constituída sob a forma de associação de direito privado”. Através da privatização funcional, a FPF, enquanto entidade privada, pode intervir na execução material de tarefas da Administração[19] e para estas prosseguirem tarefas de interesse público, como é o caso do desporto, tendo o Estado um dever estadual de garantia[20].

O Conselho de Justiça da FPF tem as competências descritas no artigo 60º, nomeadamente na alínea a) “conhecer e julgar os recursos das decisões da LPFP (...)”, relevante para o processo em análise.  

Foi através do Processo nº06/CJ-06/07[21] do Conselho de Justiça da FPF (o Gil Vicente FC recorreu da decisão da Comissão Disciplinar da LPFP no processo disciplinar nº101-05/06) que se confirmou a despromoção do clube de Barcelos pela via administrativa devido ao recurso ilícito aos tribunais civis no Caso Mateus.

A descida administrativa do Gil Vicente FC é um ato administrativo sancionatório[22], uma vez que visa a produção de efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta, no exercício de poderes jurídico-administrativos (artigo 148º do CPA) e tem um impacto negativo na estrutura financeira e desportiva do clube. A nulidade do ato administrativo de despromoção dos minhotos foi declarada a 25 de Maio de 2016, pelo Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa.

No quadro dos princípios administrativos, o princípio da legalidade foi severamente violado neste caso, dado que não estava expressamente prevista como competência do Conselho de Justiça da FPF[23] a despromoção de um clube por violação dos regulamentos desportivos, sendo essencialmente multas, inibições de exercício de funções e perda de pontos as sanções aplicadas neste âmbito. Como explicitado anteriormente, o artigo 3º do CPA e o artigo 266º/2 da CRP exigem uma atuação da Administração Pública em conformidade com as soluções legais, dentro dos limites dos poderes conferidos às suas entidades.

Relativamente a esta temática, discute-se se a ilegalidade praticada era uma incompetência ou uma usurpação de poder[24]. Tratando-se de uma pessoa coletiva privada incumbida do exercício de poderes públicos, organizada em três órgãos independentes (assembleia geral, direção, e conselho de justiça), estes não podem invadir as competências uns dos outros. Neste caso, era competência exclusiva da assembleia geral a decisão de descida administrativa e, tendo sido considerado pelo autor que se estava perante uma rígida separação de poderes, concluiu-se que o vício do ato administrativo era a usurpação de poder, logo, ferido de nulidade segundo o artigo 161º/2, alínea a).

A usurpação de poder é tradicionalmente definido como a “prática por um órgão administrativo de um ato incluído nas atribuições do poder legislativo, de poder moderador, ou do poder judicial, - e, portanto, excluído das atribuições do poder executivo”[25]. Este vício distingue-se do vício da incompetência, na medida em que o segundo não exclui o âmbito administrativo da competência, ao contrário da usurpação, em que existe uma invasão da esfera de outro órgão de natureza distinta.

Nos termos do artigo 161º do CPA, um ato administrativo é nulo quando padece de vícios particularmente graves, nomeadamente a inobservância de formalidades procedimentais, que passarei a analisar.

O artigo 1º/1 do CPA dispõe: “Entende-se por procedimento administrativo a sucessão ordenada de atos e formalidades relativos à formação, manifestação e execução da vontade dos órgãos da Administração Pública”. Com o início deste procedimento administrativo sancionatório, ou seja, que tinha por finalidade preparar e exteriorizar a prática de uma sanção disciplinar[26], devem ser respeitadas várias normas legais neste âmbito, nomeadamente dos artigos 102º ao 134º.

O procedimento decisório inicia-se com a fase inicial, que neste processo foi iniciado por uma denúncia do CF “Os Belenenses”, através da apresentação de um requerimento escrito à Comissão Disciplinar da LPFP, nos termos do nº1 do artigo 102º do CPA. Foi na terceira fase, a fase da audiência dos interessados, que o Gil Vicente FC afirmou não ter sido formalmente notificado da intenção da Comissão, não tendo oportunidade de apresentar factos, argumentos ou provas antes da decisão que determinou a sua descida. Prevista no artigo 121º do CPA, a audiência prévia dos interessados é uma obrigação da Administração, em conformidade com o princípio da colaboração da Administração com os particulares (artigo 11º/1, CPA), com o princípio da participação (artigo 12º, CPA), e com a própria Constituição, com o princípio da democracia participativa (artigo 2º, in fine) e com o artigo 267º/5 da Lei Fundamental[27]. A violação da audiência prévia é uma formalidade essencial e, como tal, fundamento para a nulidade do ato segundo o artigo 161º/2, alínea d) do CPA.

Poderá o CF “Os Belenenses” ser interessado neste processo?

Um dos motivos para a denúncia e para o corte de relações institucionais entre os dois emblemas foi o aproveitamento desportivo feito pelo clube lisboeta da situação do clube minhoto. Na época desportiva 2005/06, o clube do Restelo foi inicialmente despromovido por ter ficado imediatamente abaixo da “linha de permanência” na Superliga (designação da Primeira Liga na época).  Caso o Gil Vicente FC viesse a ser despromovido administrativamente, seriam eles os primeiros a garantir o seu lugar, evitando a despromoção. Na minha perspetiva existe, portanto, um interesse tanto desportivo (artigo 79º da CRP) como económico (artigo 61º da CRP - receitas televisivas, patrocínios, etc.), devendo ser considerados como interessados no procedimento administrativo nos termos do artigo 68º do CPA.

O clube de Barcelos dispunha de diversos meios de impugnação administrativa previstos nos artigos 184º a 199º do CPA. Terão sido suficientes para as necessidades do clube?

De acordo com o artigo 184º do CPA, os interessados têm o direito de impugnar os atos administrativos ou reagir contra a omissão ilegal dos atos administrativos, sendo as reclamações e os recursos deduzidos por meior de requerimento (nº3). Estes podem ser ou necessários ou facultativos, conforme dependa ou não da sua prévia utilização a possibilidade de acesso aos meios contenciosos de impugnação (artigo 185º/1, CPA).

O Gil Vicente FC recorreu ao recurso hierárquico previsto no artigo 193º, dado que recorreu da decisão da Comissão para o Conselho de Justiça da FPF, permitindo uma reavaliação da legalidade do ato proferido através da sua reapreciação. Como já foi referido, a despromoção foi confirmada por este órgão.

A inexistência de um tribunal arbitral desportivo independente à data (o TAD só seria criado em 2015) deixou o clube limitado a recorrer à jurisdição administrativa comum, o que, apesar de eficaz a longo prazo (a nulidade veio a ser declarada em 2016, tendo o Gil Vicente sido reintegrado na Primeira Liga apenas na época desportiva 2019/20), não impediu que os efeitos lesivos se concretizassem na altura e se arrastassem durante anos. A situação evidencia uma falha do sistema de proteção efetiva dos direitos dos administrados no seio da administração desportiva, apontando para a necessidade de reformar ou reforçar os mecanismos de controlo e imparcialidade na justiça administrativa desportiva.

  1. Conclusão

A análise dos casos W52-FC Porto e do "Caso Mateus" evidencia a crescente importância do Código de Procedimento Administrativo (CPA) como instrumento fundamental para assegurar a legalidade e a justiça na atuação da Administração Pública no domínio do desporto. Através da aplicação dos princípios da legalidade, da audiência prévia, da fundamentação e da proteção dos direitos dos interessados, verifica-se que o CPA constitui uma base normativa imprescindível para limitar o arbítrio e garantir a transparência dos procedimentos sancionatórios e decisórios no setor desportivo. O desporto, enquanto expressão de interesse público e valor constitucionalmente protegido, deve estar submetido às mesmas exigências de rigor jurídico que qualquer outra área da Administração.

Contudo, os factos demonstram que as garantias formais e substanciais previstas no CPA nem sempre são eficazmente aplicadas no contexto da justiça desportiva, frequentemente gerida por entidades privadas com poderes públicos e sem mecanismos de controlo efetivo e imparcial. A nulidade do ato administrativo no "Caso Mateus", declarada apenas uma década depois, e as dificuldades em aceder à fundamentação no caso da operação "Prova Limpa", revelam falhas estruturais graves. Torna-se, por isso, essencial repensar a articulação entre o desporto e o direito administrativo, reforçando os meios de reação procedimental e contenciosa, e promovendo uma cultura de legalidade e de respeito pelos direitos fundamentais dos visados pela ação administrativa.

ANEXO I

Bibliografia e Webgrafia:

AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, Volumes I e II, Coimbra, Almedina, 2015 e 2018.

CABALLERO, Nicolás, Los servicios públicos deportivos, Universidad Europea-Cees, Madrid, 2001.

GONÇALVES, Pedro, Entidades privadas com poderes públicos, Coimbra, Almedina, 2008.

AMARAL, Diogo Freita do, O caso do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol (parecer jurídico), Coimbra, Almedina, 2008.

https://www.fpciclismo.pt/noticia/comunicado---suspensao-de-sete-corredores-da-w52-fc-porto

https://www.policiajudiciaria.pt/operacao-prova-limpa/

https://rr.pt/bola-branca/noticia/modalidades/2024/02/15/w52-fc-porto-vencedor-da-volta-a-portugal-admite-doping/366921/

https://desporto.sapo.pt/futebol/primeira-liga/artigos/italia-chamou-mas-eusebio-ficou-no-benfica

https://www.fpf.pt/pt/News/Todas-as-notícias/Notícia/news/20919

https://adop.pt/sancoes-disciplinares/ 


[1] Aluna nº69712 do 2º ano do curso de Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (Turma PB10).

[2] Várias são as estórias contadas quanto a Eusébio, mítico jogador do Benfica, que alegadamente foi impossibilitado de rumar ao Inter de Milão por imposição de Salazar, pois a “Pantera Negra” era “propriedade nacional” (https://desporto.sapo.pt/futebol/primeira-liga/artigos/italia-chamou-mas-eusebio-ficou-no-benfica).

[3] A redação atual surge no contexto da revisão constitucional de 1989.

[4] CABALLERO, Nicolás, Los servicios públicos deportivos, Universidad Europea-Cees, Madrid, 2001.

[5] O nº2 do artigo 79º da CRP dispõe: “Incumbe ao Estado (...) promover, estimular, orientar e apoiar a prática e a difusão da cultura física e o desporto (...)”.

[8] Ver Anexo I.

[9] DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo - Volume I, 4ª Ed. 2015, Coimbra, Edições Almedina, p.200.

[10] Artigo 5º/9, alínea a), da Lei Antidopagem no desporto.

[11] Ou seja, que constituem ou modificam  relações intersubjetivas (DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo - Volume II, 4ª Ed. 2018, Coimbra, Edições Almedina, p. 215).

[12] DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo - Volume II, p.196.

[13] DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo - Volume II, p.235.

[14] Artigo 1º/1, do CPA.

[16] O artigo 17º/1 do CPA faz uma ressalva ao disposto na lei em matérias relativas à investigação criminal, como se trata esta operação.

[17] Inclusive, o Futebol Clube do Porto não prosseguiu os meios legais ao seu dispor na tentativa de negar as acusações, limitando-se à suspensão do contrato de naming e licenciamento de marca com a Associação Calvário Várzea Clube de Ciclismo.

[18] file:///C:/Users/beatr/Downloads/Estatutos_FPF_PT_2024.pdf.

[19] PEDRO GONÇALVES, Entidades privadas com poderes públicos, Coimbra, Edições Almedina, 2008, p.357.

[20] PEDRO GONÇALVES, idem, p.158.

[21] Uma vez que este processo não se encontra em nenhuma base de dados nem física nem online, contactei a própria FPF com o objetivo de aceder ao mesmo, pedido que não obteve resposta.

[22] Vide referências 11, 12 e 13.

[23] Não tendo o procedimento sido iniciativa deste órgão, foi este que ratificou a decisão da Comissão Disciplinar da LPFP.

[24] DIOGO FREITAS DO AMARAL, O caso do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol (parecer jurídico), Almedina, Coimbra, 2008, pp. 51-52.

[25] DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo - Volume II, p.347.

[26] DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo - Volume II, p.271 e 291.

[27] DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo - Volume II, p.297.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Simulação Escrita - Advogados de Sandokan da Ultrapassagem de prazos

Simulação escrita - Grupo I dos Advogados da Administração Pública

Grupo 3- A A.I.M.A como Entidade Pública Empresarial