ACÓRDÃO DA SIMULAÇÃO: 23/05/2025

 Acórdão dos juízes sobre o caso do Sr. Sandokan da Silva vs Administração Pública (AIMA, I.P.)


Processo n.º 12345/67.8BFHLR

Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa

3.ª Secção – Contencioso Administrativo

Acordam, em conferência, os juízes da 3.ª Secção do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa:

  1. Relatório

Foi apresentado ao nosso tribunal, por requerimento do Sr. Sandokan da Silva, cidadão angolano, que entrou legalmente em território nacional em 2020 e é aqui residente deste então, o requerente recorre a uma petição contra o Ministério da Administração Interna e a Agência para a integração, Migrações e Asilo (AIMA, I.P), pedindo a condenação da Administração à prática do ato legalmente devido de concessão de autorização de residência. Alega o requerente que:

  1. Tendo apresentado o respetivo pedido de autorização de residência a 5 de maio de 2020, junto do então serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), e reunindo todos os requisitos legais, não obteve resposta por parte da Administração;
  2. Sustenta então que a sua pretensão deverá considerar-se tacitamente deferida, nos termos gerais do regime jurídico da atividade administrativa. Invoca ainda a violação de diversos direitos fundamentais, que entende estarem a ser comprometidos pela omissão prolongada da decisão administrativa;
  3. O Autor encontra-se a trabalhar com contrato formal na área da construção civil, com descontos regulares para a Segurança Social;
  4. O Autor tem familiares diretos residentes em Angola, encontrando-se impedido de sair de Portugal com receio de não poder regressar legalmente, dada a pendência do pedido;

A Administração por sua vez, alega:

  1. A falta de entrega, em tempo útil, da documentação exigida;
  2. Bem como os impactos causados pela reestruturação institucional que levou à extinção do SEF e à criação da AIMA;
  3. A alteração superveniente das normas aplicáveis ao procedimento de residência, e a sobrecarga administrativa vivida no setor;
  4. Refuta igualmente a existência de qualquer violação de direitos fundamentais, invocando que os mesmos se aplicam com limitações a cidadãos estrangeiros sem título de residência válido.

      2. Fundamentação

Face às provas testemunhais, o Tribunal entende que todos os documentos foram entregues, dado que o requerente tinha um contrato formal de trabalho, que só seria possível com a existência dos mesmos. Mesmo que se verificasse que havia uma deficiência do requerimento inicial, sendo isto imputável ao particular, a administração deve convidar o adquirente a suprir as deficiências existentes nos termos do art.108/1 e 117º/1 (o que, se não fizer suscita, um problema de violação do princípio da legalidade).

Nos termos do art.128º do Código do Procedimento Administrativo (doravante, CPA), a decisão expressa tem de ser dentro do prazo máximo legal de 60 dias, sendo isto um dever da Administração consoante o art. 13º CPA, porém salienta-se que o nº1 do art.128 fixa que há uma exceção de quando outro prazo decorre da lei. Na Lei nº102/2017 o art. 82º/1 fixa que nos casos de autorização de residência, o prazo é de 90 dias, neste caso tendo-se passado 5 anos, sem resposta, este prazo legal não foi respeitado por parte da Administração.

Esta violação por parte da Administração demonstra uma omissão de vários princípios. Primeiramente, o princípio da boa administração art. 5º CPA e art. 266º/1 CRP que impõem uma atuação eficiente, responsável e diligente. Para além disso, houve a violação do dever de celeridade, art.59 CPA que vincula a Administração à tramitação célere dos processos. Saliento ainda, que pode-se observar uma violação do princípio da proporcionalidade no art.7 em que a Administração deve adotar os comportamentos adequados aos seus fins prosseguidos, o que pode-se alegar que não foi cumprido, por não ter adotado determinados passos necessários como o caso dos documentos. Para além disto, tanto a Administração, tanto os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa-fé art. 10º.

Quanto à possibilidade de deferimento tácito exigida pelo requerente, o art.130/1 CPA admite situações em que é possível o deferimento tácito e, a existir, será apenas quando a lei assim determina. O art.82/3 da Lei 102/2017, prevê que o silêncio da Administração equivale a uma resposta positiva por parte desta, isto pode apelar à inércia da administração.

Quanto à inércia administrativa, está em causa divergência doutrinária, contra este mecanismo, VASCO PEREIRA DA SILVA entende que compromete o interesse público, não havendo ponderação expressa dos interesses envolvidos e violando princípios e fases do procedimento. A favor, FREITAS DO AMARAL, vê este mecanismo como uma garantia de defesa dos direitos dos particulares e instrumentos de eficácia administrativa.

Entende-se que, no caso concreto, a omissão do prazo viola direitos fundamentais, a saber: o direito à unidade familiar art.36 CRP, direito ao trabalho e segurança no emprego art.58 CRP, direito à proteção da saúde art.64 CRP, e liberdade à circulação art.44 CRP, para além disto ainda foi violada a prossecução do interesse público art.266 CRP e a dignidade da pessoa humana art.1 CRP.

No caso em apreço, estando o requerente inserido no mercado de trabalho e reunidos os requisitos à data do pedido, nada obsta à aplicação do instituto do deferimento tácito. A nossa jurisprudência tem evoluído nesse sentido, nomeadamente no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 20/06/2024 (Processo nº02724/23.5BELSB), que afirma que a omissão da Administração na apreciação dos pedidos de autorização de residência compromete de forma direta e grave o exercício efetivo dos direitos fundamentais.

O procedimento administrativo reúne múltiplas fases, entendendo o tribunal que, podem ser elencadas falhas em três delas: A fase da instrução, a fase da audiência dos interessados e a fase da decisão.

Na fase da instrução, que se inicia no art.115º CPA está fixado que a Administração deverá procurar reunir provas e averiguar os factos de interesse à decisão final. Esta fase rege-se pelo princípio inquisitório presente no art.58, o que faz com que a Administração Pública, sem dependência da vontade dos interessados, deva requerer factos e esclarecimentos que levem à tomada da melhor decisão, o que o tribunal entende que não foi respeitado.

De seguida, temos a fase da audiência dos interessados presentes do art.121 a 125 CPA, da qual também tem previsão constitucional no art.267/5 que consiste no direito dos interessados a participarem na formação de decisões que lhes dizem respeito. Dentro deste preceito, a fase está sujeita a alguns princípios procedimentais, em especial os artigos 11 e 12 CPA. Salienta-se que esta fase poderia ser dispensada no âmbito do art.124, que também está presente um dever de fundamentação. A falta desta audiência prévia é considerada uma ilegalidade. Neste aspeto, há divergências, segundo MARCELO REBELO DE SOUSA e VASCO PEREIRA DA SILVA, isto é um direito fundamental art.267/5, logo, se houver ausência, considera-se uma inconstitucionalidade, aplicando-se diretamente à Administração Pública, sendo o procedimento sujeito a nulidade nos termos do art.161/2 d). Contrário a isto, FREITAS DO AMARAL, na sua posição considerada maioritária e também seguida pela jurisprudência, considera que não estando a audiência prevista nos artigos iniciais da constituição enquanto direito fundamental, aplica-se a anulabilidade art.163/1.

Por último, a fase da decisão prevista nos artigos 126º a 133º CPA, está sujeita à fundamentação nos termos do art.152 CPA e os seus requisitos estão presentes no art.153 CPA. Aqui também se sublinha a importância do próprio princípio da decisão presente no art.13 CPA.

Tendo em conta o exposto do prazo, do deferimento e dos direitos fundamentais, houve claramente uma violação do princípio da legalidade art.3/1 CPA, que deve ser visto de forma ampla e deverá a Administração atuar em obediência à lei e ao Direito. Isto significa quer uma submissão formal às leis, decretos-lei e decretos legislativos  regionais e por outro lado, uma visão supralegal que compreende os princípios da constitucionalidade, subordinação ao direito europeu, global e internacional.

Quanto à transição institucional do SEF para a AIMA alegada pela Administração, este facto não suspende os prazos legais nem elimina os deveres da Administração, visto que o princípio da continuidade jurídica da função administrativa impõe que as reorganizações internas não prejudiquem os particulares.

       3. Decisão

Nos termos da Lei nº67/2007 de 31 de dezembro, o art.7/1 estabelece que o Estado responde pelos danos causados por atos ou omissões ilícitas dos seus órgãos ou agentes, o que foi o caso, visto que a Administração agiu com negligência grave ao ignorar os prazos legais e ao invocar uma reorganização interna como causa justificativa.

Nos termos e fundamentos expostos, acordam os juízes da 3.ª Secção do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa em:

  1.  Aplicar o instituto do deferimento tácito acima referido;
  2.  Responsabilizar a Administração Pública, na pessoa da AIMA I.P.,  pelos danos causados ao requerente, não só os materiais (enquanto limitações legais a um imigrante irregular), mas também morais, como a própria instabilidade da sua vida pessoal, profissional e familiar.

Custas pela entidade demandada.

Lisboa, 23 de Maio de 2025

Os Juízes,

Beatriz Soares, nº69712

Flávia Modesto, nº69885

Henrique Pereira, nº69791

Lívia Jorge, nº69675

Rafael de Jesus, nº69741

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