Grupo dos Advogados do Sandokan - Direitos Violados

 Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

SIMULAÇÃO DE DIREITO ADMINISTRATIVO

Grupo dos Advogados do Sr. Sandokan – Direitos Violados

António Soares, 69872

Carolina Vaz, 69681

Matilde Gonçalves, 70073

Maria Silvério, 69678

Susana Santos, 70097


Índice:

1) Introdução

2) Enquadramento Jurídico do pedido de Autorização de Residência

3) Violação da prossecução do interesse público

4) A abertura aos Direitos Fundamentais: A Dignidade da Pessoa Humana

5) Direitos Fundamentais atingidos

6) Estratégia processual e Pedidos

Sumário: Ao nosso grupo cabe então defender o particular, mais concretamente o Sr. Sandokan. Iremos analisar os direitos que foram violados pelo particular, devido à inércia administrativa. Começaremos por fazer um breve enquadramento jurídico do pedido de autorização de Residência, seguido de uma critica (respeitosa) à possibilidade da administração deferir tacitamente processos e como tal pode levar à lesão de direitos dos particulares. Em seguida, irá ser analisado quais os direitos que foram violados, começando pela sua base – a Dignidade da Pessoa humana seguido por um aprofundamento de quais os Direitos concretos que foram violados pela Administração. Por fim, iremos concluir com a estratégia processual e Pedidos.

Palavras Chave: Autorização de residência; interesse público; inércia administrativa; Dignidade Humana; Direitos Fundamentais; responsabilidade administrativa

Summary: Our group has been assigned the task of defending the individual, specifically Mr. Sandokan. We will examine the rights that have been violated due to administrative inaction. To begin, we will provide a brief legal framework regarding the application for a residence permit, followed by a respectful critique of the possibility that the administration may tacitly approve procedures, and how such practices may result in the infringement of individual rights.

Subsequently, we will analyze the specific rights that have been violated, beginning with their foundation—Human Dignity—followed by na in-depth discussion of the concrete rights that were breached by the administrative conduct.

Finally, we will conclude with the procedural strategy and the claims to be submitted.

Keywords: Residence permit; public interest; administrative inaction; Human Dignity; Fundamental Rights; administrative liability.



1) Introdução

O presente trabalho tem como objetivo analisar, à luz do ordenamento jurídico português, a situação de Sandokan da Silva, cidadão estrangeiro residente em Portugal, cujo pedido de autorização de residência permanece sem resposta administrativa há mais de quatro anos. Partindo do regime jurídico aplicável aos cidadãos estrangeiros, consagrado na Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, com a redação da Lei n.º 102/2017, de 28 de agosto, procede-se à apreciação da atuação da Administração Pública à luz dos princípios constitucionais e legais, em especial no que se refere ao dever de decisão, à prossecução do interesse público, ao respeito pelos direitos fundamentais e à dignidade da pessoa humana. A análise permite evidenciar não só a omissão administrativa, como também as suas graves consequências jurídicas, sociais e humanas para o requerente, demonstrando uma violação clara de direitos consagrados constitucional e internacionalmente.


2) Enquadramento Jurídico do pedido de Autorização de Residência

O regime jurídico da entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros em território nacional encontra-se previsto na Lei n.º 23/2007 de 4 de julho. No caso apresentado, é aplicável a versão da Lei 102/2017, de 28 de agosto, em vigor na data do pedido, a 5 de maio de 2020, sendo a autorização de residência de Sandokan da Silva regulada por esta lei, visto que qualquer alteração legislativa não pode afetar negativamente a situação do sujeito, aplicando-se o regime legal vigente à data do pedido, sendo esta uma garantia dada pelo artigo 18º/3 da Constituição da República Portuguesa que proíbe a retroatividade de normas restritivas de direitos.

A Lei 102/2007 é aplicada a Sandokan da Silva nos termos do artigo 4º/1 da Lei 102/2017, visto que este é um cidadão estrangeiro, com nacionalidade angolana. O pedido de autorização de residência pode ser formulado pelo próprio Sandokan e deve ser apresentado junto ao SEF, nos termos do artigo 81º/1. A Lei em causa distingue dois tipos de autorização de residência: temporária (artigo 74º/1, alínea a)) e permanente (artigo 74º/1, alínea b)). A autorização de residência temporária é válida por um período de um ano e deverá ser renovada por períodos sucessivos de dois anos, nos termos do artigo 75º. A autorização de residência permanente não tem limite de validade, devendo ser renovado de cinco em cinco anos ou sempre que se verifique a alteração dos elementos de identificação registados no título de residência, como disposto no artigo 76º. A autorização de residência permanente é concedida nas condições do artigo 80º, sendo que, nos termos da alínea a) do nº 1 deste artigo, é imposta a condição de o cidadão estrangeiro ser titular de autorização de residência temporária há pelo menos cinco anos. Deste modo, visto que o sujeito não tinha qualquer autorização de residência, apenas poderá ser atribuída uma autorização de residência temporária em conformidade com a respetiva lei.

Sandokan da Silva, tendo entrado legalmente em território português e trabalhando na construção civil com um contrato de trabalho em vigor, descontando para a segurança social, é aplicável o disposto no artigo 88º da Lei 102/2017, nos termos do nº1 do mesmo artigo. O titular do pedido preenche todas as condições das alíneas a), b) e c) do nº 2 do artigo 88º, sendo dispensado do requisito previsto na alínea a) do artigo 77º/1 da mesma lei. O artigo 88º prevê um ato administrativo vinculado, não havendo qualquer margem para a administração recusar os requisitos, que se encontram preenchidos. Para a concessão de autorização. Para a atribuição da autorização de residência, deverão estar também preenchidos as condições do artigo 77º, nº1, com a já referida exclusão da alínea a), não necessitando de apresentar visto de residência válido.

A decisão por parte da administração pública está sujeita a prazos, devendo esta decidir no prazo de 90 dias após o pedido, à luz do artigo 82º/1.

No processo de decisão, a administração pública deverá agir em conformidade com os princípios previstos no Código do Procedimento Administrativo. A administração tem o dever de se pronunciar sobre todos os assuntos da sua competência que lhe sejam apresentados, nos termos do princípio da decisão, artigo 13º do CPA. A decisão deve ser tomada em conformidade com o princípio da legalidade, devendo atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respetivos fins, como imposto pelo artigo 3º do CPA. Devem ser respeitados os princípios da igualdade, proporcionalidade, justiça e razoabilidade, imparcialidade, boa-fé e responsabilidade, nos termos dos artigos 6º, 7º, 8º, 9º, 10º e 16º, de modo a respeitar os direitos fundamentais dos particulares através de uma atuação justa e equitativa da administração. Também é imposto um respeito pelo artigo 266º da CRP e 5º do CPA, para uma administração eficiente, eficaz, com respeito pelos princípios e direitos administrados.

A decisão e procedimentos da administração deverão respeitar a dignidade da pessoa humana, protegido no artigo 1º da CRP e Preâmbulo e artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, com um dever de proteção por parte do Estado a pessoas em situações de fragilidade, como o caso de Sandokan. Também está em causa o direito ao trabalho em condições de dignidade (artigo 58º CRP), direito à saúde (artigo 64º da CRP), direito à unidade familiar (artigo 36º da CRP) e o direito de deslocação (artigo 44º CRP).

A extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e a consequente criação da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), com o Decreto-Lei 41/2023, de 2 de junho, resultaram de uma reestruturação administrativa com entrada em vigor em 2023. Esta alteração orgânica não afeta a validade dos pedidos previamente apresentados, nem suspende os prazos legais de decisão. A nova entidade AIMA assume integralmente as competências procedimentais anteriormente atribuídas ao SEF. Deste modo, a transição institucional não pode ser invocada como funcionamento para a inércia, nem justifica a omissão prolongada da decisão sobre o pedido de alteração de residência.

3) Violação da prossecução do interesse público

O caso de Sandokan da Silva evidencia uma violação clara do artigo 266º da Constituição da República.

Nos termos do artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa, a “Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos” (n.º 1), segundo os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé (n.º 2). Esta atuação está subordinada não apenas à Constituição e à lei, mas também a todo o quadro normativo constitucionalmente vigente, incluindo o direito internacional e europeu (art. 8.º da CRP), bem como aos regulamentos administrativos aplicáveis.

Deste modo, também o princípio da legalidade consagrado no artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo reforça esta posição, ao estabelecer que os órgãos da Administração devem atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respetivos fins. Assim, a atuação da Administração não se esgota na conformidade formal com a lei, exige-se também que a atuação da Administração seja finalisticamente adequada, ou seja, dirigida à efetiva realização do interesse público, tal como constitucionalmente consagrado.

Ora, a nossa crítica parte precisamente do paradoxo entre a ação da Administração pois esta agiu segundo a lei e a violação do interesse público (art 266º CRP).

No caso de Sandokan, o legislador criou uma previsão legal que admite o deferimento tácito do pedido de autorização de residência — ou seja, o silêncio da Administração equivale a uma decisão favorável, desde que esteja legalmente consagrado. E está: nos termos do artigo 82.º, n.º 3 da Lei n.º 102/2017, existe expressamente a previsão de que, ultrapassado o prazo legal de 90 dias para decisão, o pedido considera-se tacitamente deferido.

Ao consagrar um deferimento tácito, sendo este aplicável ao caso em apreço, na prática tal promove a inércia da Administração, afastando-a da sua obrigação de participação ativa no procedimento, violando não apenas o direito dos interessados à informação nos termos do artigo 82º do CPA, mas também o princípio da participação, nos termos do artigo 12.º do CPA.

De facto, o artigo 130.º do CPA exige que o deferimento tácito esteja consagrado na lei, e como tal, quando está, a Administração pode simplesmente “nada fazer” e considerar o pedido aceite — sem qualquer intervenção, sem qualquer fundamentação, sem qualquer procedimento efetivo.

É aqui que reside a crítica fundamental: o legislador abriu espaço à inércia da Administração, criando um mecanismo que dispensa o procedimento administrativo, e tal mecanismo prejudica e afeta diretamente a prossecução do interesse público conforme se constata no caso em análise.

Esta opção legislativa permite que a Administração cumpra o princípio da legalidade (artigo 3º do CPA), desrespeitando o seu propósito, a prossecução do interesse público. A lei, neste caso, funciona como escudo para a inação, em vez de ser instrumento de boa administração.

Em suma, a crítica recai sobretudo sobre o próprio legislador, pois criou um mecanismo que permitiu a inércia da Administração e que, no caso de Sandokan da Silva, resultou na falta de resposta durante anos, comprometendo gravemente e direitos fundamentais.

4) A abertura aos Direitos Fundamentais: A Dignidade da Pessoa Humana

O presente caso revela uma situação profundamente preocupante e inadmissível à luz do ordenamento jurídico português: Sandokan da Silva, cidadão estrangeiro que entrou legalmente em Portugal no ano de 2020, que aqui exerce atividade profissional com contrato de trabalho em vigor e que desconta para a segurança social, vê o seu pedido de autorização de residência permanecer sem resposta administrativa por mais de cinco anos.

Tal omissão, para além de contrariar os prazos legalmente fixados, constitui uma flagrante violação do princípio à dignidade da Pessoa Humana, consagrado no artigo 1.º da Constituição da República Portuguesa. A dignidade da pessoa humana, enquanto fundamento da República e valor central do Estado de Direito democrático, não pode ser compatível com o abandono institucional de um indivíduo.

Durante este longo período de inércia administrativa, o requerente viu-se privado do exercício pleno dos seus direitos fundamentais: o direito ao reagrupamento familiar, por se encontrar impossibilitado de visitar ou trazer a sua família; o direito à saúde, por não beneficiar da plena integração no sistema nacional de saúde; o direito à mobilidade e à liberdade de circulação; e o direito ao trabalho em condições de dignidade e segurança jurídica. Todos estes efeitos decorrem, em última instância, de uma omissão que desconsidera a pessoa, o trabalhador, o cidadão que aqui pretende viver com dignidade.

Não se trata, pois, de um mero atraso ou de uma falha pontual, trata-se de um comportamento estruturalmente omissivo da Administração Pública que compromete o princípio da boa administração (artigo 267 da CRP e art.º 5 do CPA) e afronta diretamente o valor mais alto que o nosso ordenamento protege – a dignidade do ser humano.

De facto, nos termos do artigo 1 da Constituição da República Portuguesa, a dignidade da pessoa humana é vista como um pilar essencial à organização do poder político e do próprio Estado.

Esta escolha normativa exige que a Administração e o Estado tome a pessoa como um fim em si mesma e não como um mero objeto de relações jurídicas e/ou administrativas e que a pessoa humana esteja acima de qualquer organização política.

Contudo, a dignidade da pessoa humana não é apenas um princípio limitador do poder. Trata-se de um valor autónomo, com força normativa própria, que serve de fundamento à concretização de diversos direitos fundamentais.

Essa proteção está alicerçada numa compreensão da dignidade como realidade dinâmica e relacional, articulando-se em três dimensões essenciais : a dignidade como valor intrínseco do ser humano, a dignidade como fundamento para a criação de direitos e deveres (prestação), e a dignidade enquanto reconhecimento mútuo entre as pessoas. Com base nessa visão, a Constituição proíbe expressamente práticas que atentem contra a dignidade humana, como a pena de morte, a tortura, os tratamentos desumanos ou degradantes, o trabalho forçado e o tráfico de seres humanos.

Nesse contexto, a dignidade da pessoa humana também fundamenta a imposição de deveres especiais de proteção por parte do Estado. A República assume, com base nesse princípio, a obrigação de proteger pessoas em situações de especial vulnerabilidade, como refugiados, deslocados, vítimas de tráfico ou pessoas sujeitas a tratamentos desumanos.

Além disso, a dignidade da pessoa humana está hoje consagrada como um padrão universal de proteção, exigindo dos Estados a adoção de medidas internas compatíveis com os direitos humanos reconhecidos internacionalmente (como por exemplo a Declaração Universal dos Direitos do Homem que no respetivo preâmbulo e no seu artigo primeiro consagram este Direito).

Perante a clarificação, entende-se que face à situação do Sr. Sandokan da Silva, este princípio fora, de facto violado. A Administração ao permitir que o particular se encontre num estado de instabilidade e insegurança constante devido à omissão e inércia administrativa desrespeitou não só os prazos legais, mas também a essência de um Estado de Direito democrático que coloca a pessoa humana no centro da sua atuação.

Este princípio não detém somente um carácter simbólico, mas antes serve de base a todos os outros direitos fundamentais constitucionalmente designados, direitos esses que oportunamente serão densificados ao longo deste trabalho.

A dignidade da pessoa humana exige, acima de tudo, uma atuação administrativa que reconheça e valorize cada indivíduo como um fim em si mesmo e não como um número esquecido no sistema, e tal aplicado ao caso em questão, o senhor Sandokan não pode ser considerado apenas mais um processo que não fora concluído, mas antes ser visto com dignidade, e não ser deixado num limbo constante jurídico e social.

5) Direitos Fundamentais atingidos

No nosso caso, há ainda que referir, que os direitos fundamentais de Sandokan da Silva foram violados pela Administração Pública. Este cidadão estrangeiro residente em Portugal, apesar de se encontrar em situação legal e ter apresentado todos os documentos e formalidades acessórias necessárias ao processo de obtenção de residência, nos termos do artigo 88º, n. º2 da Lei n. 23/2007, de 4/07, de acordo com a versão da Lei n.102/2017, de 28/8, nunca obtendo resposta formal ao seu pedido. Esta inércia, que perdura desde 2020, limita os direitos fundamentais consagrados na Constituição da República (CRP) e em tratados internacionais vinculativos em Portugal, como a carta dos direitos fundamentais da União Europeia.

Retomando a situação do Sandokan da Silva, que trabalha a construção civil com contrato em vigor, desconta para a Segurança Social, e apesar disso vê os seus direitos postos em causa. O prazo de 90 dias estabelecido no artigo 82.º, n. º1 da lei referida, foi muito mais que ultrapassado tendo decorrido quatro anos sem qualquer resposta por parte da Administração.

Procede-se então uma análise a cada direito fundamental que tem sido restrito ao cidadão, nesta análise há que ter em conta o artigo n. º 16.º, que estipula que o âmbito dos direitos fundamentais não está restrito à CRP e por isso há que ter em conta conteúdo internacional como é a CDFUE.

Inicia-se a análise tendo em conta o direito à família, o artigo 36.º da CRP apesar não fazer uma referência direta ao que é os vínculos familiares (aqui afetados, visto que Sandokan se encontrava privado de sair do país, ficando assim afastado da sua família que residia em Angola), na redação temos presente o direito a constituir família, no n. º 1.º e a proibição da separação injustificada dos filhos no n. º 6º que refletem o princípio geral da proteção da vida em família. Esta proteção é reforçada no artigo 7.º da CDFUE, que garante o respeito pela vida privada e familiar. A Jurisprudência do TJUE tem interpretado este direito no sentido de que os Estados se devem abster de interferências desproporcionais, mas também a criar condições jurídicas que não viabilizam o convívio e a unidade familiar . No caso apresentado, a ausência de decisão administrativa prolongada, impede o cidadão de sair e regressar ao país traduzindo-se, na prática de uma separação familiar injustificada, violando este núcleo essencial.

O direito do trabalho (artigo n.º 58.º da CRP), assume-se, também neste âmbito, como um direito fundamental de natureza social que garante a todos a possibilidade de acesso a uma atividade profissional livremente escolhida, em condições de dignidade, igualdade e segurança. No nosso caso, embora esteja integrado no mercado de trabalho com um contrato formal na construção civil e com as devidas contribuições sociais, a ausência de decisão da decisão por parte da administração impede o exercício pleno deste direito. Jorge Leite, refere que o Direito do Trabalho, tem como papel corrigir desigualdades estruturais entre o empregador e trabalhador, procurando proteger este último por via de estabilidade contratual, da segurança social e da inclusão social. A posição de incerteza administrativa de Sandokan fragiliza a sua posição laboral (vulnerabilidade perante o empregador, menor acesso a proteção legal, menor poder negocial, ...) e acentua a precariedade da sua relação de trabalho, violando os objetivos fundamentais do Direito do trabalho .

Neste caso também podemos ter em causa uma comprometida do que é o seu direito à saúde, consagrado no artigo n. º 64.º da CRP. Sem título de residência, existe a existência a pagar taxas moderadoras mais elevadas, podendo ser excluído de certos cuidados ou de comparticipações que requeiram residência. É de referir, que de acordo com a Circular Informativa 12/DQS/DMD da Direção Geral de Saúde, os imigrantes que não sejam titulares de autorização de residência ou não tenham a sua situação regularizada, só são beneficiários em situações de urgência, saúde pública ou carência económica (podendo, todavia, estar sujeito a pagamento dos cuidados prestados) .

Há por último, que referir o direito à liberdade de circulação, prevista no artigo n. º 44.º da CRP, há que reforçar que esta limitação, tal como relativamente aos outros direitos fundamentais não decorre de qualquer fundamento legal ou decisão formal, muito pelo contrário, ocorre por falta de atuação da administração. Esta ausência de circulação em segurança, ou seja, tendo em conta que a sua saída pode prejudicar ainda mais o seu processo, põe em causa outros direitos, como referido o direito à família.

Há por último que referir, neste âmbito, o acórdão do Supremos Tribunal Administrativo, relativamente ao processo 02724/23.5 BELSB, de 20/06/2024, que particularmente relevante no que respeita à articulação entre o regime jurídico da imigração e os direitos fundamentais constitucionalmente garantidos. Este processo, reconhece que a ausência de autorização de residência, quando imputável à inércia da Administrativa, compromete de forma direta e grave o exercício efetivo dos direitos fundamentais, designadamente os referidos. O Tribunal sublinha que esta situação, ainda que formalmente tolerada por omissão administrativa, o que gera uma exclusão prática de um leque de direitos consagrados na CRP e instrumentos internacionalmente vinculativos. O acórdão confirma, assim, que a mera permanência física no território, sem suporte documental, não basta para garantir o gozo efetivo dos direitos fundamentais, sendo exigível da Administração um dever positivo de decisão célere que os torne efetivamente operativos.


6) Estratégia processual e Pedidos

Com base nos factos apurados e no enquadramento jurídico já exposto, apresenta-se de seguida a estratégia processual adotada, bem como a formulação dos pedidos concretos dirigidos ao Tribunal.

O requerente Sandokan da Silva, aguarda há mais de quatro anos uma decisão relativa ao pedido de autorização de residência apresentado ao abrigo do n.º 2 do artigo 88.º da Lei n.º 23/2007, na redação conferida pela Lei n.º 102/2017, sem que, até à presente data, tenha sido proferida qualquer decisão por parte da Administração. Tal omissão configura uma violação do dever de decisão consagrado no artigo 82.º da referida lei, que estabelece um prazo máximo de 90 dias para apreciação do pedido.

Perante esta omissão administrativa injustificada, recorre-se à via judicial com fundamento no artigo 102.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), que prevê a possibilidade de o interessado requerer ao tribunal a condenação da Administração à prática do ato legalmente devido.

Assim, formula-se o seguinte elenco de pedidos principais:

1. A condenação da Administração à prática do ato administrativo legalmente devido, isto é, a decisão favorável do pedido de autorização de residência apresentado a 5 de maio de 2020, com base na verificação dos pressupostos legais aplicáveis à data do pedido;

2. O reconhecimento do deferimento tácito do pedido, por aplicação do artigo 130.º do CPA, que consagra o instituto do silêncio administrativo positivo, desde que estejam reunidos os requisitos legais, nomeadamente o decurso do prazo sem decisão e a natureza favorável e legalmente admissível do ato pretendido;

3. A condenação da Administração por omissão administrativa, com o consequente reconhecimento da violação do dever de decidir e das implicações jurídicas associadas, designadamente a eventual responsabilidade civil extracontratual do Estado, por danos causados ao requerente, nos termos do artigo 66.º do CPTA.

A estratégia processual adotada visa, portanto, assegurar que a Administração seja responsabilizada pela sua inércia, garantindo-se o respeito pelos princípios constitucionais que devem regular a Administração, bem como a tutela efetiva dos direitos fundamentais do requerente.

Estes pedidos não se limitam à reposição da legalidade administrativa formal, mas visam também reparar os efeitos concretos que esta omissão prolongada tem provocado na esfera jurídica do requerente. Esta omissão administrativa prolongada tem causado restrições graves e contínuas quanto ao exercício de direitos fundamentais, constitucionalmente consagrados, anteriormente exposto de forma mais detalhada (v., supra, n.° 5).

Portanto, a inércia administrativa, além de violar o quadro legal aplicável, acarreta consequências práticas desproporcionais e injustas, que devem ser reparadas através da intervenção jurisdicional.

Face ao exposto, entende-se que os pedidos agora formulados se encontram devidamente sustentados no quadro jurídico aplicável, sendo essencial o cumprimento do dever legal da Administração e a tutela efetiva dos direitos do requerente. Impõe-se, assim, uma decisão jurisdicional que reconheça o direito à prática do ato legalmente devido, ou, em alternativa, os efeitos do deferimento tácito, ou ainda a ilicitude da omissão administrativa.

Requer-se, consequentemente, a procedência da presente ação, com a condenação da Administração nos termos acima indicados, de forma a assegurar e restabelecer a legalidade violada relativamente a Sandokan da Silva.

Subsidiariamente, caso o Tribunal entenda que não estão reunidos os pressupostos para condenar a Administração à prática de ato ou reconhecer o deferimento tácito, requer-se que seja ordenada a reponderação do pedido de autorização de residência, no sentido de respeitar os princípios da boa-administração e da tutela da confiança.

7) Conclusão

Em face do exposto, conclui-se que a atuação omissiva da Administração Pública no caso de Sandokan da Silva representa uma violação grave dos princípios fundamentais do Estado de Direito democrático.

O silêncio administrativo prolongado, em flagrante desrespeito pelos prazos legais, comprometeu o exercício de vários direitos fundamentais, nomeadamente o direito ao trabalho, à saúde, à unidade familiar e à liberdade de circulação, além de constituir uma afronta direta ao princípio da dignidade da pessoa humana.

A existência de um mecanismo de deferimento tácito, embora legalmente previsto, não pode servir como justificação para a inércia da Administração, que tem o dever de atuar de forma célere, eficaz e em conformidade com os valores constitucionais. Torna-se, assim, imprescindível a intervenção dos tribunais administrativos para restabelecer a legalidade e assegurar a proteção dos direitos do requerente, promovendo uma Administração verdadeiramente orientada para o interesse público e para o respeito efetivo pelos direitos das pessoas.


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