Recensão Crítica d’O Ato Administrativo Informático de Pedro Costa Gonçalves

 Recensão Crítica d’O Ato Administrativo Informático de Pedro Costa Gonçalves

O ensaio de Pedro Gonçalves, de cunho jurídico e académico, oferece uma análise rigorosa e profunda sobre os impactos da informatização na decisão administrativa no contexto do direito administrativo português, analisando a compatibilidade da decisão automatizada com os princípios fundamentais do Direito Administrativo.

O foco principal do estudo é a informática decisória - que substitui o funcionário na própria formulação da decisão - por colocar em causa a natureza humana e volitiva do ato administrativo.

O Professor analisa, assim, as vantagens da automação, — como a uniformidade, a celeridade, a redução de custos e o aumento de eficiência — mas também alerta para os seus riscos, como a desumanização da administração, a opacidade do processo, a perda de flexibilidade e a exclusão dos cidadãos menos familiarizados com os meios digitais.

Um dos pontos centrais do texto é a distinção entre decisões vinculadas, mais facilmente automatizáveis por seguirem uma lógica binária, e decisões discricionárias, cujo conteúdo depende de avaliação subjetiva e que, segundo o autor, não devem ser objeto de automação, sob pena de violação dos princípios da legalidade e do Estado de Direito Democrático.

Através da noção de ato administrativo informático, o autor defende que uma decisão gerada por um computador só adquire valor jurídico se for apropriada por um órgão competente. Essa apropriação — mesmo que tácita — é o que transforma a decisão técnica num ato jurídico válido.

Pedro Costa Gonçalves discute ainda a natureza jurídica do programa informático, que classifica como um regulamento interno, sem efeitos externos, e alerta para a necessidade de definir com rigor quem tem competência para o elaborar. Sublinha também a ausência de um regime legal específico para os atos informáticos no ordenamento português, propondo que sejam aplicadas as regras gerais do procedimento administrativo, com as adaptações necessárias.

Por fim, o autor aborda temas como a responsabilidade civil da Administração, propondo que, no caso de atos informáticos ilegais, deverá prevalecer um modelo de responsabilidade objetiva, por muitas vezes não se poder identificar falhas pessoais diretas.

O autor recusa o automatismo tecnocrático e reafirma a centralidade da legitimidade democrática e da imputabilidade humana, oferecendo assim uma obra bem fundamentada e indispensável para a compreensão dos desafios da informatização da decisão administrativa. No entanto, a tentativa de salvaguardar a legitimidade democrática e a legalidade através da figura da “programação determinista” parece ignorar a crescente sofisticação dos sistemas baseados em inteligência artificial, que já não se limitam a executar regras pré-estabelecidas, mas desenvolvem, em certa medida, uma capacidade de inferência. Nesse ponto, o autor ainda se mantém acorrentado a uma visão mecanicista da tecnologia, que pode revelar-se ultrapassada perante os avanços dos sistemas probabilísticos e adaptativos.

Desta maneira, considero, com o devido respeito, que o texto revela algumas limitações. A defesa de que a automação de decisões discricionárias é juridicamente inaceitável, embora coerente com a tradição do direito português, pode pecar por excesso de conservadorismo face ao desenvolvimento de sistemas de inteligência artificial capazes de simular ponderações complexas.

Deixa igualmente a desejar, possivelmente, porque apesar de apontar a necessidade de um enquadramento legal específico, não explora suficientemente propostas normativas alternativas. O texto encerra-se num diagnóstico minucioso, mas com escassa projeção prática ou prescritiva. Adicionalmente, o Professor não explora suficientemente a possibilidade de compatibilizar discricionariedade com algoritmos supervisionados, nem aborda o problema do viés algorítmico, relevante numa perspetiva crítica mais atual.

  Mesmo assim, é bastante claro que o seu trabalho lança bases sólidas para uma discussão jurídica rigorosa e necessária sobre a automação no setor público, por se debruçar sobre as implicações ontológicas e jurídicas do uso de sistemas informáticos na substituição do juízo humano com recurso a referências fundamentais à doutrina alemã e à tradição jurídica portuguesa, sendo evidente o seu refinamento teórico. 

Marta Couto Ferreira - n.º 69516 - Turma B - Subturma 10

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