Simulação de Julgamento de Direito Administrativo II - Testemunhas do Requerente Sandokan
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SIMULAÇÃO DE JULGAMENTO DIREITO ADMINISTRATIVO II
Testemunhas do Sandokan
Sumário: 1. Matéria de Facto Geral Inicial; 2. Provas Testemunhais; 2.1. Prova Testemunhal do Requerente Sandokan; 2.2. Prova Testemunhal da Esposa do Requerente; 2.3. Prova Testemunhal da Patroa do Requerente; 2.4. Prova Testemunhal do Colega do Requerente
1. MATÉRIA DE FACTO GERAL INICIAL
Sandokan da Silva, cidadão de nacionalidade angolana, ingressou em território português no ano de 2020, deixando para trás a sua esposa e dois filhos. Entrou em Portugal com base num visto válido para duas entradas e um período de quatro meses, emitido para efeitos de solicitação de autorização de residência com fundamento no exercício de atividade profissional subordinada. O Requerente reuniu toda a documentação exigida por lei, nomeadamente contrato de trabalho, comprovativo de habilitação para a profissão e termo de responsabilidade da entidade empregadora.
Desde a sua chegada a Portugal, Sandokan tem exercido funções na empresa “Telhas e Casinhas S.A.”, no setor da construção civil, contribuindo regularmente para a segurança social e cumprindo todas as suas obrigações fiscais e laborais. No entanto, apesar de ter requerido autorização de residência a Administração, mais concretamente, a AIMA, I.P (Agência para a Integração, Migrações e Asilo, IP), manteve-se inerte durante mais de quatro anos, sem que fosse proferida qualquer decisão.
A inércia da AIMA, I.P, que sucedeu ao SEF, tem sido amplamente noticiada e denunciada por diversos organismos e órgãos de comunicação social. Segundo dados recentes divulgados pelo portal Executive Digest, as queixas contra a AIMA, IP, aumentaram cerca de 40% nos primeiros meses de 2025, com centenas de cidadãos a denunciar atrasos prolongados e falta de resposta nos seus processos de residência e regularização. Esta situação não é um fenómeno isolado: a própria AIMA, IP, reconheceu que existem atualmente mais de 4.574 imigrantes notificados para atualizar os seus processos a partir de uma nova plataforma, sendo que o sistema tecnológico e organizativo continua a revelar-se ineficiente.
Mais alarmante ainda é o facto de, apesar de Portugal contar já com mais de 1,5 milhões de imigrantes, os meios afetos à AIMA continuam manifestamente insuficientes para dar resposta às necessidades e assegurar o respeito pelos direitos fundamentais dos requerentes.
O caso do Requerente é exemplo paradigmático das consequências humanas da falência administrativa. A ausência de autorização de residência impede-o de viajar até Angola para visitar a sua esposa, Neide Muxima da Silva, e a sua família.
A inação administrativa também tem implicações graves no acesso à saúde. O Requerente, por não possuir título de residência, é frequentemente obrigado a pagar taxas acrescidas no Serviço Nacional de Saúde, visitas exponenciadas pela sua asma. Por mais de uma vez, teve de recorrer à ajuda de colegas de trabalho para se alimentar, facto testemunhado por Dzmitry Anatolyevich Kavalyow, cidadão estrangeiro com experiência semelhante de morosidade injustificada no processo de naturalização.
Do ponto de vista laboral, o Requerente encontra-se numa situação de permanente vulnerabilidade contratual, carecendo da estabilidade e proteção que a autorização de residência lhe deveria garantir, em afronta ao direito a condições de trabalho justas e equitativas. A sua entidade patronal, Antónia Moreira, confirma não só o cumprimento de todas as obrigações legais por parte do trabalhador, como também os prejuízos causados à empresa pela insegurança jurídica que paira sobre a situação de Sandokan.
O caso aqui presente deve ser lido à luz de um fenómeno mais amplo de desumanização dos processos migratórios, onde a ausência de decisão não constitui mero lapso, mas verdadeira negação de direitos fundamentais.
Assim, o presente processo deve reconhecer a existência de responsabilidade por omissão administrativa e ordenar, com a urgência e justiça que a matéria exige, a imediata decisão do pedido de autorização de residência, com efeitos retroativos à data da apresentação do requerimento inicial, bem como o reconhecimento da violação dos direitos fundamentais invocados.
2. PROVAS TESTEMUNHAIS
2.1. TESTEMUNHO DO SANDOKAN (Pedro)
Meritíssimos Senhores Juízes do Supremo Tribunal Administrativo,
O meu nome é Sandokan da Silva, nasci em Angola na província do Cuanza Sul. Desde cedo, os meus pais ensinaram-me a ser um homem trabalhador e a providenciar a melhor vida possível para a minha família. Foi com esse intuito, que em 2020, recebi uma proposta de emprego, da senhora Antónia Moreira para trabalhar na construção civil na sua empresa “Telhas e Casinhas S.A.”, foi sem dúvida uma proposta que me ajudaria imenso a alcançar uma vida melhor e mais digna, e até hoje só tenho a agradecer a oportunidade à minha patroa a senhora, Antónia Moreira.
Foi então com o intuito de ajudar a minha família que reuni toda a documentação legal (art. 10.º/1, 11.º, 13.º da Lei n.º 102/2017; os meios de subsistência estavam preenchidos e estão fixados na Portaria n.º 1563/2007); ainda apresentei o meu contrato de trabalho. Para os efeitos de prova de meios de subsistência, devem ser tidos em consideração os meios provenientes de contrato ou promessa de contrato de trabalho. A prova de meios de subsistência pode ser efetuada através de termo de responsabilidade com assinatura reconhecida subscrita pela entidade de acolhimento de trabalhadores. Inclusive, entreguei o visto para obtenção de autorização de residência que é válido para duas entradas e por quatro meses, período durante o qual o seu titular deverá solicitar junto da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) um título para fixação de residência (artigos 51.º-A e 56.º da Lei n.º 102/2017).
Para assim entrar em território português, e assim poder começar a exercer a minha profissão de forma honesta.
Ao começar a trabalhar, declarei todo o meu rendimento e descontei para a segurança social devidamente tudo aquilo que a lei exige de modo a respeitar da melhor maneira as regras que Portugal determina neste aspeto, e entretanto a 5/5/2020 requeri o visto de autorização de residência para exercício de atividade profissional nos termos do artigo 88.º/2 da Lei n.º 102/2017.
A verdade é que dias, semanas e meses se passaram e a administração falhou no seu trabalho, em especial ao violar o artigo 82.º/1 da já mencionada Lei (prazo de 90 dias), incumprindo o seu dever de decisão definido no artigo 13.º CPA, assim como violou uma variedade de princípios consagrados ao particular por falta de ação e celeridade da administração (nomeadamente-CRP 15.º (a base dos direitos a estrangeiros), 266.º, 268.º/1; 20.º em especial o /4; CPA 5.º,11.º; Carta Europeia dos Direitos Fundamentais, 41.º e 47.º).
Por isso, por força do direito que o artigo 129.º CPA me concede, interpus tal ação judicial perante a administração.
Esta falta de decisão não é apenas um mero problema burocrático, mas afeta a minha dignidade como ser humano, a minha vida foi afetada em vários aspetos salvaguardados pela CRP. Esta espera e falta de decisão têm consequências graves para mim. No trabalho não consigo garantir à minha patroa a minha continuidade no país, quando fico doente devido ao asma, a falta desta autorização implica o pagamento de taxas de saúde que com o meu salário baixo são bastante penalizadoras. E ainda, o que me pesa mais e é incalculável aos olhos do Direito, é o facto de não ter liberdade de sair do país deixando para trás a minha tão amada mulher e os meus dois filhos, que agora apenas posso ver e conversar pelo ecrã de um telemóvel, por não estar impossibilitado de ir visitá-los a Angola. Mesmo o próprio Direito define a família como o “elemento fundamental da sociedade”, deixando-me a crer que fui profundamente afetado e desrespeitado no aspeto mais importante da minha vida, a minha família.
O meu pedido não é nada mais do que a Administração cumprir com aquilo que lhe é exigida. A lei existe para proteger a dignidade humana, e neste momento sinto-me injustiçado e esquecido por este país que já tanto me deu.
2.2. TESTEMUNHO DA ESPOSA DO SANDOKAN (Mafalda)
Meritíssimos Senhores Juízes do Supremo Tribunal Administrativo,
O meu nome é Neide Muxima da Silva, e sou esposa do Sandokan da Silva. Estamos casados há mais de dez anos e, desde 2020, estamos separados.
Permaneço em Angola, enquanto o meu marido tenta construir uma vida em Portugal. A promessa era que, em pouco tempo, ele conseguiria autorização de residência e, com isso, poderia visitar-me, ajudar a reunir a família e construir uma vida digna. No entanto, passados cinco anos, o Estado português continua sem decidir o seu pedido de autorização de residência. Vim hoje a este julgamento não só como esposa, mas como mulher, como parceira de vida de alguém que tem lutado diariamente por dignidade, por estabilidade e por um futuro melhor neste país.
A falta de resposta ao pedido de autorização de residência do meu marido não é apenas um entrave burocrático. É também um muro que se ergue todos os dias entre nós e a nossa vida em comum. É viver com medo, com ansiedade, e com a constante incerteza sobre o dia de amanhã. Impedido de me visitar e os aos nossos dois filhos, muitas vezes sinto que o meu marido é forçado a viver como se estivesse sempre à margem da sociedade.
A Constituição da República Portuguesa garante, no artigo 36.º/1, o direito à constituição e à proteção da família, sendo este direito reforçado pelo artigo 67.º, que estabelece que o Estado tem o dever de proteger a família como elemento fundamental da sociedade, independentemente da nacionalidade, quando articulando com os artigos 13.º e 15.º da CRP. De igual modo, o artigo 7.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE) garante o direito à vida familiar, algo restrito ao impedir o direito à deslocação para fora de Portugal, para que Sandokan visite a sua família em Angola.
Face à impossibilidade do meu marido se deslocar ao estrangeiro por não ter autorização de residência, é violado o seu direito de deslocação e livre circulação, consagrado no artigo 44.º da CRP e no 45.º da CDFUE, que consagra a liberdade de circulação e residência no território dos Estados-Membros da União Europeia, nomeadamente para os cidadãos estrangeiros que lá residem legalmente. Ao negar-lhes este estatuto, a Administração impede a concretização dos direitos pessoais e familiares do meu esposo.
O Sandokan trabalha arduamente na construção civil. Paga os seus impostos, desconta para a segurança social, e cumpre com os seus deveres como qualquer cidadão. Mas, apesar disso, continua a ser tratado como alguém invisível. Essa invisibilidade e o abandono que o meu marido sofre pesam. O meu esposo é esquecido por um sistema que, apesar de lhe exigir o cumprimento de obrigações, como o pagamento de impostos, vê a recusa de direitos fundamentais como o de visitar a família. Este sofrimento não é só partilhado por mim e pela nossa família, como por outras famílias e mulheres separadas por entraves administrativos que negligenciam a realidade humana por detrás de um processo legal.
O direito à saúde é também colocado em causa, pois, por não ter residência, é frequentemente obrigado a pagar taxas acrescidas no Serviço Nacional de Saúde, quando deveria ter acesso igualitário, algo que acarreta despesas financeiras e prejudica a subsistência do meu esposo em Portugal, que sempre teve tantos problemas respiratórios. Vejam meritíssimos, a necessidade é tal que o meu marido teve de pedir dinheiro ao colega de trabalho, Dzmitry Anatolyevich Kavalyow, porque nem um prato de comida é garantido no fim do dia. Há uma clara violação dos artigos 64.º/1 CRP e artigo 35.º da CDFUE, que visam assegurar a proteção da saúde e o acesso a cuidados de saúde de qualidade.
Por fim, a situação atual atenta contra o princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1.º CRP e no 1.º da CDFUE. A manutenção de uma pessoa e, por consequência, da sua família, num estado prolongado de incerteza, exclusão e negligência de direitos, configura uma violação deste princípio fundamental.
O que peço é simples: que a Administração faça aquilo que a lei já prevê — que decida. Que reconheça os direitos de quem está a cumprir com os seus deveres, porque o seu silêncio, para além de ser uma mera falha procedimental, é uma violação ativa de direitos fundamentais, cujas consequências não recaem só sobre o Sandokan, como sobre mim, e sobre o resto da nossa família. Que se trate com humanidade quem escolheu Portugal para viver, contribuir e construir uma vida.
2.3. TESTEMUNHO DA PATROA DO SANDOKAN (Evelina)
Meritíssimos Senhores Juízes do Supremo Tribunal Administrativo,
Sou a Antónia Moreira, patroa do Sandokan. Encontro-me aqui em defesa do interessado, de um homem honesto, trabalhador, que como qualquer outro cidadão português tem o direito ao trabalho. Desde que criei a empresa “Telhas e Casinhas S.A.”, tenho procurado sempre trabalhar com pessoas cumpridoras da lei. Sandokan juntou-se à empresa já no ano de 2020. Foram imensas as dificuldades, mas garanto que o interessado foi sempre exemplar, procurando sempre melhorar enquanto trabalhador e integrar-se na cultura portuguesa o melhor possível.
Igualmente, levo o meu trabalho muito seriamente, garantindo que toda a regulamentação de trabalho se encontrasse atualizada. Qualquer que seja o documento laboral, declaração que os mesmos requerem, terei em ordem para apresentar. Questiono-me apenas, como é possível admitir que os indivíduos têm de fazer cumprir a lei laboral, enquanto encarregados de fazer cumprir os direitos superiores dos individuais não o fazem?
Na construção civil, como os meritíssimos e os restantes devem imaginar, uma grande parte dos trabalhadores que compõem a minha empresa são emigrantes. Não seria a primeira vez que uma situação de residência traria problemas, infelizmente já por diversas vezes tive de ingressar em processos com a justiça administrativa para garantir as condições dos meus trabalhadores. Aliás, sempre foi do meu interesse garantir as condições dignas de trabalho para o Sandokan ou qualquer outro trabalhador, permitir que o mesmo contribuísse para a Segurança Social e criar condições propícias ao desenvolvimento da equipa de trabalho. Isto porque acredito, independentemente de ser meu trabalhador, qualquer um que ingresse em Portugal com a plena vontade de trabalhar como Sandokan faz, que é o primeiro a chegar e o último a sair da obra, a sua dignidade, o seu trabalho e os seus pedidos devem ser tomados em conta.
Para além disso, o meu trabalhador tem o seu direito ao trabalho em condições dignas e humanas limitado, vivendo com insegurança contratual, sem proteção plena no local de trabalho e sem possibilidade de aceder a certos serviços.
Acredito desta forma ter especial interesse em participar nesta audiência. Sandokan é um dos meus trabalhadores de longa data, temos obras para dar continuidade, com prazos a cumprir. Sandokan não é o único prejudicado, meritíssimo, também eu careço da mão de obra que está a ser colocada em causa por divergências. Tenho neste momento já duas obras em atraso e clientes a pedir maior rapidez. Acrescento ainda, Sandokan é o único trabalhador especializado em diversas tarefas que realiza, pelo que é insubstituível. Será proporcional e necessário adiar atribuir a residência a alguém que já a deveria ter, em especial quando este atraso causa prejuízos a outros interessados igualmente?
2.4. TESTEMUNHO DO COLEGA DO SANDOKAN (Martim)
Meritíssimos Senhores Juízes do Supremo Tribunal Administrativo,
O meu nome é Dzmitry Anatolyevich Kavalyow. Tenho 38 anos, sou natural da Bielorrússia e vivo em Portugal há 8 anos. Vim para este país à procura de estabilidade e de um futuro melhor, para mim, para a minha esposa e para os nossos dois filhos, que hoje frequentam a escola pública portuguesa, onde atingem resultados académicos louváveis. Atualmente resido na zona da Grande Lisboa, mais concretamente no Concelho da Amadora, onde construí o meu lar e a minha vida. Trabalho numa empresa de construção civil há mais de uma década, desempenhando funções com empenho e sentido de responsabilidade. É um trabalho duro, mas digno, e é através dele que tenho contribuído, todos os dias, para o desenvolvimento das cidades onde vivemos. Na Bielorrússia, licenciei-me em Direito. No entanto, devido à inexistência de reconhecimento do meu diploma académico em Portugal, vi-me obrigado a enveredar por outro caminho profissional, tendo ingressado no setor da construção civil como forma de sustentar a minha família e reconstruir a minha vida. Portugal acolheu-me a mim e à minha família, e eu procurei sempre corresponder com o respeito pela lei, dedicação com o trabalho e integração na comunidade. No entanto, tal como o meu colega que aqui hoje se apresenta, também eu enfrentei obstáculos relacionados com a regularização da minha situação documental, o que gerou uma constante sensação de instabilidade e insegurança para mim e para a minha família.
Apresento-me perante este Tribunal na condição de testemunha, com plena consciência de que, nos termos do ordenamento jurídico português, a prova testemunhal é admissível em todos os casos em que não seja expressamente afastada por lei, e de que os depoimentos prestados são livremente valorados pelo juiz. Tal como prevê o Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), a prova testemunhal deve ser acolhida sempre que os factos não exijam prova documental insubstituível ou não estejam sujeitos a restrições legais específicas.
Neste contexto, considero que a minha intervenção não é meramente técnica ou periférica, mas um testemunho humano de alguém que, na primeira pessoa, viveu os mesmos entraves e omissões da Administração Pública que hoje aqui são objeto de apreciação. O meu relato, ancorado em experiências reais, reforça a necessidade de este Tribunal avaliar o cumprimento, por parte da Administração, dos princípios e normas que a vinculam, conforme previsto no artigo 3.º, n.º 1 do CPTA.
O meu processo de naturalização e regularização documental foi marcado por morosidade, falta de clareza nos procedimentos e escassa acessibilidade aos serviços públicos. Estas dificuldades representam, no meu entender, uma violação do princípio da participação administrativa, consagrado no artigo 267.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e no artigo 12.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), que impõe à Administração o dever de assegurar a participação dos interessados nos procedimentos que lhes digam respeito. No meu caso, tal não aconteceu. Senti-me à margem de um processo que, paradoxalmente, deveria incluir-me.
Da mesma forma, importa recordar que, de acordo com o artigo 266.º, n.º 1 da CRP e com o artigo 4.º do CPA, a Administração Pública está vinculada à prossecução do interesse público, devendo pautar a sua atuação por critérios de justiça, imparcialidade e boa-fé. Ora, não posso deixar de considerar que, no meu caso concreto, a ausência de resposta célere e clara à minha situação foi contrária a este princípio. A Administração falhou ao não garantir, com eficácia e humanidade, os meios adequados para que um cidadão estrangeiro legalmente residente pudesse exercer plenamente os seus direitos.
Também a utilização das tecnologias da informação, prevista no artigo 14.º do CPA, revelou-se, na prática, insuficiente. Os procedimentos, que deveriam ser desmaterializados e acessíveis, tornaram-se, na realidade, opacos e pouco funcionais, mesmo com a existência de mecanismos como o Balcão Único Eletrónico, previsto no artigo 62.º do CPA. A promessa de celeridade e simplificação administrativa não correspondeu à minha experiência. Deparei-me com aplicações confusas, comunicações automatizadas e uma ausência quase total de apoio humano. A presença de um funcionário que me pudesse orientar, ainda que pontual, teria feito toda a diferença.
Por outro lado, enquanto cidadão proveniente de um Estado não-membro da União Europeia, esperava, à luz do que dispõe o artigo 19.º do CPA, um esforço de cooperação leal por parte da Administração portuguesa, no sentido de dialogar com outras autoridades e facilitar a análise documental e a tramitação dos meus pedidos. A cooperação leal não se esgota num mero formalismo jurídico; é, acima de tudo, uma exigência prática de solidariedade administrativaespecialmente relevante em procedimentos que envolvem cidadãos estrangeiros a residir legalmente no espaço europeu. A sua ausência, num processo que exigia articulação internacional, revelou um desrespeito pelos princípios fundamentais da boa administração.
É nessa condição que me apresento perante este Tribunal, não apenas como testemunha formal, mas como um cidadão que vive, todos os dias, as consequências da ineficiência, da desorganização e da desumanização dos processos administrativos. Testemunho aqui em nome de muitos outros que, como eu e o meu companheiro e amigo Sandokan, vivem na sombra da legalidade, vítimas de uma Administração que ainda não nos reconhece como parte do interesse público que deveria servir.
Peço apenas que este testemunho seja considerado com o mesmo sentido de justiça que procuro honrar no meu dia a dia, enquanto trabalhador, pai e cidadão integrado nesta sociedade.
Assinaturas:
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(Antónia Moreira)
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(Dzmitry Anatolyevich Kavalyow)
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(Neide Muxima da Silva)
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(Sandokan da Silva)
Data: 16/05/2024
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