Simulação escrita - grupos de testemunhas (Francisca Nóbrega, Gabriela Correia, Madalena Nunes, Matilde Portela)
“Sandokan da Silva contra Ministério da Administração Interna e AIMA – Pedido de Autorização de Residência”
Data: 23/05/2025
Supremo Tribunal Administrativo PB10
Declaração testemunhal – Ministra da Administração Interna, Presidente da AIMA, anterior Ministra de Administração Interna e anterior Diretora Nacional do SEF
Exmos. Meritíssimos Senhores Juízes, dadas as alegações proferidas contra o Ministério da Administração Interna e a AIMA (Agência para a Integração, Migrações e Asilo), referentes à legalidade da atuação da Administração no âmbito do pedido de autorização de residência do Sr. Sandokan, vimos por este meio apresentar o nosso testemunho.
Nós, Francisca Nóbrega, Gabriela Correia, Madalena Nunes e Matilde Portela na qualidade de Ministra da AI, Presidente CD AIMA, Anterior Diretora Nacional do SEF e Anterior Ministra da AI, respetivamente, estamos aqui para prestar a nossa declaração no âmbito deste processo.
Matéria de facto
O autor, Sandokan da Silva, é um cidadão angolano que reside legalmente em Portugal desde o ano de 2020, tendo entrado no território nacional de acordo com as disposições legais em vigor. O autor exerce a sua atividade profissional na área da construção civil, possuindo um contrato de trabalho válido e efetuando os respetivos descontos para a Segurança Social, contudo, ainda não obteve o seu cartão de residência em Portugal, apesar das múltiplas tentativas infrutíferas que fez para obter tal documento.
Perante a persistente situação de incerteza quanto à regularização do seu estatuto de residência e insatisfeito com as informações veiculadas pela comunicação social relativas às recentes alterações do regime jurídico de concessão de residência, o autor, desconsolado, decidiu seguir os conselhos de um sobrinho, recém-licenciado em Direito, e recorre, de momento, à via da Justiça Administrativa com o intuito de ver reconhecidos os seus direitos.
No processo em apreço, movido contra o Ministério da Administração Interna e a Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), o autor solicita a condenação da Administração à prática do ato legalmente devido, qual seja, a autorização de residência, relativamente à qual apresentou o pedido junto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) a 5 de maio de 2020, conforme estabelecido no artigo 88.º, n.º 2 da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, na versão alterada pela Lei n.º 102/2017, de 28 de agosto. Alternativamente, o autor requer que seja declarada a tácita aprovação do seu pedido, considerando-se decorrido o prazo legal para a decisão.
O autor sustenta que não foi cumprido o disposto no n.º 1 do artigo 82.º da Lei n.º 102/2017, que impõe a decisão do pedido de autorização de residência no prazo de 90 dias, salientando que, apesar de já terem decorrido vários anos desde a submissão do seu pedido, até à presente data não obteve qualquer resposta administrativa.
Adicionalmente, o autor invoca a violação de vários direitos fundamentais consagrados na Constituição da República Portuguesa, que considera estarem a ser indevidamente negados ou restringidos no seu caso, nomeadamente: o direito ao trabalho em condições dignas e humanas; o direito de circulação para fora do território nacional; o direito à reunificação familiar, tendo em conta que a sua família reside em Angola e ele está impedido de a visitar; e o direito à saúde, sendo forçado a pagar taxas hospitalares por não ter o estatuto de residência legal.
Por sua vez, nós, como parte da Administração Pública defendemos que a demora na decisão do pedido de autorização de residência deve-se à alegada falta de apresentação de documentos exigidos dentro dos prazos legais, à alteração da entidade competente (devido à extinção do SEF e à criação da AIMA), à modificação das regras procedimentais e substantivas, nomeadamente o fim da automaticidade na atribuição da residência, à sobrecarga de pedidos pendentes e à falta de recursos materiais para resolver a situação. Nós, Administração, sustentamos ainda que não houve negação ou restrição de direitos fundamentais ao autor, referindo que os condicionalismos observados são fruto das dificuldades práticas associadas à aplicação da legislação a cidadãos estrangeiros sem o devido estatuto de residência.
Depoimento da Sra. Doutora Francisca Nóbrega, Ministra da Administração Interna
Excelentíssimos Senhores Juízes,
Comparecendo perante o Supremo Tribunal Administrativo, na qualidade de Ministra da Administração Interna, venho, nos termos legais e com o devido respeito, prestar o presente depoimento testemunhal no âmbito do processo interposto pelo Sr. Sandokan da Silva, em que se discute a alegada omissão da prática de ato administrativo devido – concretamente, a concessão de autorização de residência ao abrigo do artigo 88.º, n.º 2 da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, na redação da Lei n.º 102/2017, de 28 de agosto.
É facto que o cidadão Sandokan da Silva entrou legalmente em território nacional no ano de 2020 e apresentou, em 5 de maio desse mesmo ano, pedido de autorização de residência por motivos de exercício de atividade profissional subordinada, nos termos do artigo 88.º da referida Lei.
Nos termos do artigo 82.º, n.º 1, da Lei n.º 102/2017, de 28 de agosto, o pedido de autorização de residência deve ser decidido no prazo de 90 dias. Todavia, cumpre reconhecer que, neste caso específico, não foi proferida decisão expressa dentro do prazo legalmente estabelecido.
A Administração, reconhecendo os princípios da legalidade, da igualdade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça administrativa e da boa-fé, previstos no artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), não pode deixar de esclarecer os constrangimentos que determinaram a demora verificada neste e noutros processos similares:
· A extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), determinada pela Lei n.º 73/2021, de 12 de novembro, e a consequente criação da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), implicaram uma profunda reestruturação administrativa e procedimental, com impacto direto nos processos em curso;
· Durante o período de transição institucional, verificou-se a necessidade de reanálise dos procedimentos em função das novas regras substantivas e processuais introduzidas, nomeadamente no que respeita à reconfiguração do regime de residência, o que incluiu a eliminação de automatismos outrora existentes;
· Registou-se, igualmente, um volume anómalo de pedidos de regularização pendentes, agravado pela crise pandémica da COVID-19, que teve repercussões severas na capacidade de resposta dos serviços administrativos;
· Acresce que o requerente não terá, segundo os registos internos, entregue toda a documentação exigida, dentro dos prazos que legalmente lhe assistiam, o que comprometeu a tramitação célere do processo.
Quanto aos direitos fundamentais alegadamente lesados, é intenção inequívoca do Estado português respeitar e promover os direitos fundamentais consagrados na CRP, em especial os direitos sociais, culturais e económicos (artigos 58.º a 72.º da CRP), bem como os direitos dos estrangeiros em situação regular ou irregular, conforme previsto no artigo 15.º da Constituição.
Contudo, e embora se reconheça a sensibilidade humanitária do caso, não se pode afirmar que haja, por parte da Administração, uma intenção deliberada de restringir o direito ao trabalho, à saúde, à família ou à livre circulação do cidadão requerente. Os condicionamentos que se verificam resultam da ausência de um título válido de residência – cuja emissão depende do cumprimento integral dos requisitos legais e do regular funcionamento dos procedimentos administrativos.
Relativamente ao pedido de reconhecimento de deferimento tácito, nos termos do artigo 130.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, o silêncio da Administração durante o prazo legalmente fixado para decidir pode, nas condições previstas na lei, equivaler a deferimento tácito. No entanto, essa presunção de deferimento depende da inexistência de impedimentos legais ou factuais que obstruam o deferimento automático.
Tendo em conta os elementos documentais e os condicionalismos apontados, afigura-se que não se reúnem, in casu, todos os pressupostos legais para o reconhecimento de deferimento tácito, que se desdobram no seguinte: i. a iniciativa particular, ou seja, que o órgão da Administração competente seja solicitado por um interessado a pronunciar-se num caso concreto (artigo 130.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo); ii. que o órgão tenha, sobre a matéria em causa, o dever legal de decidir através de um ato administrativo (artigo 13.º do CPA); iii. que o particular não tenha sido notificado da decisão final sobre pretensão que dirigiu à Administração até ao primeiro dia útil seguinte ao termo do prazo para a decisão (CPA, artigos 128.º, n.ºs 1, 2, 3 e 4, e 130.º, n.ºs 2 e 3); e iv. que a lei (ou um regulamento) atribua ao silêncio da Administração, decorrido dado prazo, o significado jurídico de deferimento[1]
Resta-me clarificar, enquanto Ministra da Administração Interna que, a atuação da Administração Pública, embora marcada por atrasos que se lamentam, não configura qualquer denegação ilegítima de direitos, antes refletindo um contexto excecional de reestruturação organizacional e sobrecarga processual. Continuam a ser envidados esforços concretos para recuperar pendências e garantir o cumprimento dos direitos dos cidadãos estrangeiros, nomeadamente por via do Plano de Regularização em curso na AIMA.
Neste sentido, reitera-se a total disponibilidade do Ministério da Administração Interna e da AIMA para colaborar com este Tribunal e com o requerente na justa resolução do presente caso, dentro do quadro legal que nos assiste, e no pleno respeito pelos direitos fundamentais, confiando na seriedade da justiça administrativa.
Termos em que, presto este depoimento com verdade e consciência, mantendo o compromisso com a legalidade democrática, a justiça administrativa e a dignidade humana.
Depoimento da Sra. Doutora Gabriela Correia, Presidente da Agência para a Integração, Migrações e Asilo
Excelentíssimos Senhores Juízes,
Na qualidade de Presidente da Agência para a Integração, Migração e Asilo (AIMA), compareço perante este Tribunal, na qualidade de testemunha notificada, com o propósito de prestar os esclarecimentos requeridos no âmbito do presente processo, intentado contra o Ministério da Administração Interna e esta Agência. Cumpre-me, assim, esclarecer e justificar os fundamentos que norteiam a atuação da AIMA.
A atuação da AIMA é fundada no princípio da legalidade administrativa, presente no artigo 3º CPA sobre o qual atua vinculada à lei e não pode, sob pena de ilegalidade e eventual responsabilidade, praticar atos administrativos, nomeadamente a concessão de autorização de residência, na ausência de todos os pressupostos legais. No caso concreto, identificou-se a falta de apresentação de documentação instrutória essencial, o que, de acordo com o disposto no artigo 59º do Código do Procedimento Administrativo, relativamente ao dever de celeridade e ao artigo 71º do CPA, face a arguição e declaração do impedimento do pedido, inviabiliza o prosseguimento válido do procedimento.
Ainda que o artigo 82º da Lei n.º 23/2007 fixe um prazo de 90 dias para o pedido de concessão de autorização de residência, este deve ser conjugado com o prazo geral previsto no nº1 do artigo 86º do Código do Procedimento Administrativo, que admite prorrogação por motivos atendíveis, como os que decorrem da reorganização administrativa, escassez de meios e afluxo massivo de pedidos. Adicionalmente, a figura do deferimento tácito exige o cumprimento de requisitos legais prévios, nos termos do artigo 130º do Código do Procedimento Administrativo, o que não se verifica no caso concreto, havendo, inclusive, elementos documentais em falta que obstam à formação de qualquer deferimento tácito válido.
A revogação do modelo de automatismo de autorização de residência, com a introdução de novos critérios substantivos, aplicáveis inclusive aos procedimentos pendentes, impõe à AIMA a reapreciação dos pedidos de forma ajustada ao novo quadro normativo, não existindo qualquer direito adquirido ao abrigo de regime anterior.
O requerente invoca, com a devida sensibilidade humana, a restrição de diversos direitos constitucionais, nomeadamente o seu direito ao trabalho, à saúde, à família e à deslocação.
Contudo, cabe-nos clarificar que nenhum desses direitos é negado arbitrariamente por esta entidade. Direitos que são, por força do artigo 15º da Constituição da República Portuguesa, garantidos a estrangeiros com residência legal em Portugal, o que ainda não é o caso do requerente, pelo que a alegada restrição decorre da falta de título jurídico que permita o reconhecimento pleno desses direitos, e não de um ato ou omissão dolosa da Administração. Visamos somente garantir a legalidade e segurança jurídica, não podendo ser compelida a praticar atos inválidos.
Em face do exposto, cumpre-me afirmar que a atuação da Agência para a Integração, Migrações e Asilo encontra-se conforme os princípios da legalidade, da imparcialidade, da proporcionalidade e da justiça administrativa. A morosidade no tratamento do pedido decorre de fatores materiais e legais alheios à vontade da AIMA, nomeadamente a transição institucional e alterações legislativas, sem que estejam reunidos os pressupostos para o deferimento tácito, nem para a condenação à prática do ato requerido. Ulteriormente, cabe-nos concluir que não se verifica qualquer violação de direitos fundamentais imputável à AIMA, mas sim os efeitos jurídicos naturais de uma situação de residência não regularizada.
Submeto esta declaração ao juízo deste Tribunal com o devido respeito, reiterando a total disponibilidade da AIMA para a cooperação institucional e para a regularização progressiva de processos pendentes, nos termos da lei.
Depoimento da Sra. Doutora Madalena Nunes, anterior Diretora Nacional do SEF
Excelentíssimos Senhores Juízes,
Apresento-me na qualidade de Antiga Diretora Nacional do SEF, cargo que exerci entre 2018 e 2021, pouco tempo depois de ter sido anunciada a extinção do mesmo e o início da reestruturação dos serviços de imigração. E encontro-me aqui como testemunha indicada pela representação da Administração, para clarificar o contexto em que muitos pedidos de autorização de residência, como é o caso do pedido do Senhor Sandokan Silva, ficaram pendentes.
Em primeiro lugar, durante o período em que exerci funções no SEF, assistimos a um aumento exponencial de pedidos de autorização de residência, especialmente e como é o caso do Senhor Sandokan, ao abrigo do artigo 88º da Lei nº 23/2007, na redação da Lei nº102/2017. Esta realidade gerou uma pressão crescente sobre os recursos humanos e materiais disponíveis, o que conduziu, inevitavelmente, a atrasos significativos nos tempos de resposta da Administração.
Acresce, que o SEF tinha responsabilidades cumulativas na área da segurança interna e controlo de fronteiras. Ou seja, não éramos apenas responsáveis pelo processamento de pedidos de residência e legalização de imigrantes, tínhamos outras responsabilidades. De modo que a alocação de recursos não podia ser exclusiva à análise de pedidos de autorização de residência.
Com a extinção do SEF, nos termos da lei nº 73/2021, de 12 de novembro (e legislação posterior), deu-se início a, e como seria de esperar, um complexo processo de reorganização institucional, o qual culminou com a criação da AIMA, a quem foram atribuídas as competências administrativas relativas a estrangeiros. Tratou-se de um processo de reestruturação profunda, no qual a suspensão parcial e a sobrecarga de certos serviços foram consequências inevitáveis e previsíveis da transição.
É necessário que fique claro que este processo de reestruturação envolveu: a redistribuição de processos pendentes por diferentes entidades, a transferência de plataformas informáticas, dossiers físicos e equipas técnicas e a suspensão e redefinição de procedimentos internos, com alterações significativas, nomeadamente, em termos de tramitação dos processos.
Naturalmente que, num processo desta magnitude, ia haver constrangimentos operacionais, incluindo interrupções, sobrecarga de recursos e atrasos. Era inevitável que tal fase de transição não tivesse impacto direto na capacidade de resposta aos milhares de processos pendentes, entre os quais se encontraria o do cidadão Sandokan da Silva.
Releva ainda, reforçar que a recente alteração do regime jurídico da entrada e permanência de estrangeiros em Portugal, nomeadamente através da Lei nº 18/2022, introduziu modificações importantes no regime substantivo e procedimental de concepção de residência: tendo sido eliminado a automaticidade de concessão de residência com base no vínculo laboral e inscrição na segurança social; e passando a ser exigido uma avaliação mais rigorosa com requisitos adicionais, nomeadamente, a estabilidade habitacional, integração social e profissional e segurança documental.
Não é que não lamente, do ponto de vista humano e social, a situação do Sr. Sandokan, contudo, importa referir que não se verifica qualquer negação deliberada de direitos fundamentais. Estamos somente perante uma situação de condicionalismos materiais e estruturais legítimos, face ao processo de reestruturação que ocorreu, e que implica, inevitavelmente, atrasos no processamento.
Enquanto antiga responsável máxima do SEF, é meu dever declarar e enfatizar que o atraso na decisão do pedido do requerente se insere num contexto extraordinário de sobrecarga e reorganização institucional. Contexto este, sem precedentes na história recente da Administração Pública Portuguesa. Parece-me que a atuação do Estado tem sido prudente e proporcional, procurando não prejudicar indevidamente os requerentes em situação pendente. A criação da AIMA pretendeu exatamente melhorar e modernizar a resposta administrativa. A situação é de lamentar e esperamos que os processos pendentes venham a ser regularizados com maior celeridade no futuro próximo, no entanto, o facto de o requerente ainda não ter obtido decisão formal não equivale à negação de direitos fundamentais, como alega o Sr. Sandokan.
Parece-me, nestes termos, que a administração atuou dentro dos limites razoáveis impostos pelas circunstâncias concretas e legais.
Depoimento da Sra. Doutora Matilde Portela, Anterior Ministra da Administração Interna
Excelentíssimos Senhores Juízes,
Relativamente às acusações e queixas formuladas no presente processo, nomeadamente quanto à alegada omissão da prática do ato administrativo de autorização de residência por parte da Administração, cumpre esclarecer, na qualidade de ex-Ministra da Administração Interna, que durante o meu mandato estiveram em curso profundas e estruturantes alterações ao regime jurídico e organizacional dos serviços de migração em Portugal.
Desde logo, importa destacar que o processo de extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), decidido com base em motivos de ordem pública, transparência administrativa e separação de funções policiais e administrativas, constituiu um esforço inédito e de enorme complexidade, sendo conduzido num contexto de sobrecarga institucional e escassez de recursos humanos e técnicos. A transição para a recém-criada Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) implicou a transferência de competências, dossiês e fluxos operacionais entre entidades diversas, o que naturalmente gerou constrangimentos temporários no normal processamento dos pedidos de autorização de residência.
Neste quadro, torna-se essencial referir que o elevado volume de pedidos pendentes, agravado pela suspensão dos prazos administrativos durante o estado de emergência decorrente da pandemia da COVID-19, dificultou de forma significativa a análise atempada de milhares de processos.
Adicionalmente, no decurso do processo legislativo de revisão do regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional (Lei n.º 23/2007, na redação da Lei n.º 102/2017), ocorreram alterações substanciais ao regime aplicável aos pedidos com base em atividade profissional subordinada. Com o novo enquadramento, cessou o carácter automático de deferimento com base no contrato de trabalho, passando a exigir-se uma análise mais detalhada das condições de estabilidade laboral e integração social, cuja avaliação não é, nem pode ser, meramente formal.
É igualmente importante notar que os direitos fundamentais invocados pelo requerente — nomeadamente o direito ao trabalho, à saúde, à unidade familiar e à liberdade de circulação — são naturalmente reconhecidos, mas o seu exercício pleno encontra-se legalmente condicionado à titularidade de autorização de residência válida, nos termos da lei portuguesa. Esta restrição não constitui uma violação de direitos, mas antes uma decorrência do princípio da legalidade administrativa e da necessidade de cumprimento de critérios mínimos de regularidade documental e integração no ordenamento jurídico nacional.
Mais se refira que a atuação da Administração Pública se pautou, em todo o momento, pelos princípios da boa administração, da legalidade, da imparcialidade e da prossecução do interesse público, tal como consagrado no artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa e nos artigos 3.º e seguintes do CPA. A situação do requerente é lamentável e reconhecemos o impacto humano de tais constrangimentos, mas é preciso compreender que não resultou de uma intenção deliberada de prejudicar, discriminar ou ignorar os seus direitos, mas sim de uma conjuntura marcada por uma reforma institucional profunda, sobrecarga funcional e insuficiências materiais reconhecidas e progressivamente corrigidas.
Assim, e sem prejuízo do natural direito do cidadão a recorrer aos tribunais para ver apreciada a sua situação concreta, concluo que, à luz da realidade administrativa da época, a ausência de resposta ao pedido não pode ser considerada ilegal ou arbitrária, nem consubstancia a violação de qualquer direito subjetivo, devendo ser enquadrada no contexto excecional em que ocorreu.
Assinaturas:
Francisca Nóbrega
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Ministra da Administração Interna
23 de maio de 2025
Gabriela Correia
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Presidente da Agência para a Integração, Migrações e Asilo
23 de maio de 2025
Madalena Nunes
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Anterior Diretora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras
23 de maio de 2025
Matilde Portela
——————————————
Anterior Ministra da Administração Interna
23 de maio de 2025
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